A “caça às bruxas”:
uma interpretação feminista
A
“caça às bruxas é um
elemento histórico da Idade Média. Entre os séculos XV e
XVI o “teocentrismo” – Deus como o centro de tudo – decai
dando lugar ao “antropocentrismo“, onde o ser humano passa a
ocupar o centro. Assim, a arte, a ciência e a filosofia
desvincularam-se cada vez mais da teologia cristã, conduzindo,
com isso a uma instabilidade e descentralização
do poder da Igreja. Como uma forma de reconquistar o centro das
atenções
e o poder perdido, a Igreja Católica instaurou os “Tribunais da
Inquisição”,
efetivando-se assim a “caça
às bruxas“. Mas quem eram, enfim, estas mulheres que fizeram
parte de um capítulo tão
horrendo da história da humanidade, e por que o feminismo retoma
as bruxas como um dos seus principais símbolos?
1.
A “caça às bruxas”
A
“caça às bruxas” durou mais de quatro séculos e ocorreu,
principalmente, na Europa, iniciando-se, de fato,em1450 e tendo
seu fim somente por volta de 1750, com a ascensão
do Iluminismo. A “caça
às bruxas” admitiu diferentes formas, dependendo das regiões
em que ocorreu,
porém, não perdeu sua característica principal: uma massiva
campanha judicial realizada pela Igreja e pela classe dominante
contra as mulheres da população
rural (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 10). Essa campanha foi
assuminda, tanto pela Igreja Católica, como a Protestante e até
pelo próprio Estado, tendo um significado religioso, político e
sexual. Estima-se que aproximadamente 9 milhões
de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas neste período, onde
mais de 80% eram mulheres, incluindo crianças
e moças que haviam
“herdado este mal” (MENSCHIK, 1977: 132).
1.1.
Quem eram as bruxas
Ao
buscarmos uma definição
do termo “bruxa” em dicionários, logo pode-se perceber a
direta vinculação com
uma figura maléfica, feia e perigosa. Neste sentido, também os
livros infanto-juvenis costumam descrever histórias onde existe
uma fada boa e linda e uma bruxa má e horrível.[1]
Ao
analisarmos o contexto histórico da Idade Média, vemos que
bruxas eram as parteiras, as enfermeiras e as assistentes.
Conheciam e entendiam sobre o emprego de plantas medicinais para
curar enfermidades e epidemias nas comunidades em que viviam e,
conseqüentemente, eram portadoras de um elevado poder social.
Estas mulheres eram, muitas vezes, a única possibilidade de
atendimento médico para mulheres e pessoas pobres. Elas foram por
um longo período médicas sem título. Aprendiam
o ofício umas com as outras e passavam esse conhecimento para
suas filhas, vizinhas e amigas.
Segundo
afirmam EHERENREICH & ENGLISH (1984, S. 13), as bruxas não
surgiram espontaneamente, mas foram fruto de uma campanha de
terror realizada pela classe dominante. Poucas dessas mulheres
realmente pertenciam à bruxaria, porém, criou-se uma histeria
generalizada na população,
de forma que muitas das mulheres acusadas passavam a acreditar que
eram mesmo bruxas e que possuíam um “pacto com o demônio”.
O
estereótipo das bruxas era caracterizado, principalmente, por
mulheres de aparência desagradável ou com alguma deficiência física,
idosas, mentalmente perturbadas, mas também por mulheres bonitas
que haviam ferido o ego de poderosos ou que despertavam desejos em
padres celibatários ou homens casados.
1.2.
A “caça às bruxas e
o “Tribunal da Inquisição”
Com
a ascensão da Igreja
Católica, o patriarcado imperou, até mesmo porque Jesus era um
homem. Neste contexto, tudo o que a mulher tentava realizar, por
conta própria, era visto como uma imoralidade (ALAMBERT, Ano II:
7). Os costumes pagãos
que adoravam deuses e deusas, passaram a ser considerados uma ameaça.
Em 1233, o papa Gregório IX instituiu o Tribunal Católico
Romano, conhecido como “Inquisição”
ou “Tribunal do Santo Ofício”, que tinha o objetivo de
terminar com a heresia e com os que não
praticavam o catolicismo. Em 1320 a Igreja declarou oficialmente
que a bruxaria e a antiga religião
dos pagãos
representavam uma ameaça
ao cristianismo, iniciando-se assim, lentamente, a perseguição aos hereges.
A
“caça às bruxas”
coincidiu com grandes mudanças
sociais em curso na Europa. A
nova conjuntura gerou instabilidade e descentralização
no poder da Igreja. Além disso, a Europa foi assolada neste período
por muitas guerras, cruzadas, pragas e revoltas camponesas, e se
buscava culpados para tudo isso. Sendo assim, não
foi difícil para a Igreja encontrar motivos para a perseguição
das bruxas.
Para
reconquistar o centro das atenções
e o poder, a Igreja Católica efetivou a conhecida “caça às bruxas”. Com o apoio do Estado, criou tribunais, os
chamados “Tribunais da Inquisição”
ou “Tribunais do Santo Ofício”, os quais perseguiam, julgavam
e condenavam todas as pessoas que representavam algum tipo de ameaça às doutrinas cristãs.
As penas variavam entre a prisão
temporária até a morte na fogueira. Em 1484 foi publicado pela
Igreja Católica o chamado “Malleus
Maleficarum”, mais conhecido como “Martelo
das Bruxas”. Este livro continha uma lista de requerimentos
e indícios para se condenar uma bruxa. Em uma de suas passagens,
afirmava claramente, que as mulheres deveriam ser mais visadas
neste processo, pois estas seriam, “naturalmente”, mais
propensas às feitiçarias
(MENSCHIK, 1977: 132 e EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 13).
1.
3. Os “crimes” praticados pelas bruxas
No
contexto da “caça às
bruxas” haviam várias acusações
contra as mulheres. As vítimas eram acusadas de praticar crimes
sexuais contra os homens, tendo firmado um “pacto como demônio”.
Também
eram culpadas por se organizarem em grupos – geralmente
reuniam-se para trocar conhecimentos acerca de ervas medicinais,
conversar sobre problemas comuns ou notícias. Outra
acusação levantada
contra elas, era de que possuíam “poderes mágicos”, os quais
provocavam problemas de saúde na população,
problemas espirituais e catástrofes naturais (EHRENREICH &
ENGLISH, 1984: 15).
Além
disso, o fato dessas mulheres usarem seus conhecimentos para a
cura de doenças e
epidemias ocorridas em seus povoados, acabou despertando a ira da
instituição médica
masculina em ascensão,
que viu na Inquisição
um bom método de eliminar as suas concorrentes econômicas,
aliando-se a ela.
1.4.
Perseguição e condenação à fogueira
Qualquer
pessoa podia ser denunciada ao “Tribunal da Inquisição”.
Os suspeitos, em sua grande maioria mulheres, eram presos e
considerados culpados até provarem sua inocência. Geralmente, não
podiam ser mortos antes de confessarem sua ligação
com o demônio. Na busca de provas de culpabilidade ou a confissão
do crime, eram utilizados procedimentos de tortura como: raspar os
pêlos de todo o corpo em busca de marcas do diabo, que podiam ser
verrugas ou sardas; perfuração
da língua; imersão em
água quente; tortura em rodas; perfuração
do corpo da vítima com agulhas, na busca de uma parte indolor do
corpo, parte esta que teria sido “tocada pelo diabo”; surras
violentas; estupros com objetos cortantes; decapitação
dos seios. A intenção
era torturar as vítimas até que assinassem confissões
preparadas pelos inquisitores. Geralmente, quem sustentava sua
inocência, acabava sendo queimada viva. Já as que confessavam,
tinham uma morte mais misericordiosa: eram estranguladas antes de
serem queimadas. Em alguns países, como Alemanha e França,
eram usadas madeiras verdes nas fogueiras para prorrogar o
sofrimento das vítimas. E, na Itália e Espanha, as bruxas eram
sempre queimadas vivas. Os
postos de caçadores de
bruxas e informantes eram financeiramente muito rentáveis. Estes,
eram pagos pelo Tribunal por condenação
ocorrida e os bens dos condenados eram todos confiscados.
O
fim da “caça
às bruxas” ocorreu somente no século XVIII, sendo que a última
fogueira foi acesa em 1782, na Suíça. Porém, a Lei da Igreja
Católica que fundou os “Tribunais da Inquisição”,
permaneceu em vigor até meados do século XX. A
“caça às bruxas”
foi, sem dúvida, um processo bem organizado, financiado e
realizado conjuntamente pela Igreja e o Estado.[2]
2.
O feminismo e o resgate da imagem das bruxas
Diante
de tantas mortes de mulheres acusadas por bruxaria durante este
período, podemos afirmar que o ocorrido se tratou de um
verdadeiro genocídio contra o sexo feminino, com a finalidade de
manter o poder da Igreja e punir as mulheres que ousavam
manifestar seus conhecimentos médicos, políticos ou religiosos.
Existem registros de que, em algumas regiões
da Europa a bruxaria era compreendida como uma revolta de
camponeses conduzida pelas mulheres (EHRENREICH & ENGLISH,
1984: 12). Nesse contexto político, pode-se citar a camponesa
Joana D`arc, que aos 17 anos, em 1429, comandou o exército francês,
lutando contra a ocupação inglesa. Esta acabou sendo julgada como feiticeira e herege
pela Inquisição e queimada
na fogueira antes de completar 20 anos. Diante disso,
configurava-se a clara intenção
da classe dominante em conter um avanço
da atuação destas
mulheres e em acabar com seu poder na sociedade, a tal ponto que
se utilizava meios de simplesmente exterminá-las.
O
feminismo busca resgatar a verdadeira imagem das bruxas em nossa
história, analisando não
somente os aspectos religiosos, mas também políticos e sociais
que envolveram a “caça às bruxas” na
Idade Média. No olhar feminista, as bruxas, através de seus
conhecimentos medicinais e sua atuação
em suas comunidades, exerciam um contra-poder, afrontando o
patriarcado e, principalmente, o poder da Igreja. Em verdade, elas
nada mais foram do que vítimas do patriarcado (ALAMBERT, Ano II,
n° 48: 7). Atualmente, as mulheres ainda continuam sendo
discriminadas e duramente criticadas por lutarem pela igualdade de
gênero e a divisão do
poder social e econômico, que ainda é predominantemente
masculino, continuando vítimas do patriarcado. Por isto, as
bruxas representam para o movimento feminista não
somente resistência,
força, coragem, mas também a
rebeldia na busca de novos horizontes emancipadores.
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A IGREJA E A CAÇA ÀS BRUXAS
Desde
os primórdios da história da Igreja, quando se duvidava até mesmo que
as mulheres tivessem alma, elas foram consideradas inferiores aos
homens, em todos os aspectos. Não só eram tidas como intrinsecamente
pecadoras, como também eram a maior, senão a única, causa dos pecados
dos homens. A Igreja ensinava que, ao ter pensamentos luxuriantes, os
homens estariam apenas reagindo à astúcia diabólica da mulher, que os
enfeitiçava para tal. Um exemplo extremo dessa atitude pode ser
encontrado na ideia da Igreja medieval de que uma mulher que fosse
estuprada não só seria responsabilizada por ter provocado o ato, como
também pela perdição da alma do estuprador, a quem ela teria que fazer
uma reparação no Dia do Juízo Final.
A Inquisição, criada de início para ser usada contra os cátaros, logo incorporou o novo papel de caçadora de “bruxas”, torturando e assassinando mulheres suspeitas, movimento ao qual os protestantes prontamente aderiram. Os primeiros julgamentos de bruxas aconteceram em Toulouse, sede da Inquisição anticátaros, e a última bruxa queimada pela Inquisição foi executada no Cantão de Glaris, na Suíça, em 1788 (pouco mais de duzentos anos).
Em 1487, dois padres dominicanos, Heinrich Kraemer e James Sprenger, publicaram o clássico Malleus Maleficarum (Martelo das Bruxas), que se tornaria o livro de cabeceira dos caçadores de bruxas europeus. Os autores fundamentaram as premissas do livro na bula Summis Desiderantes, emitida pelo Papa Inocêncio VIII em 1484, o principal documento papal sobre a bruxaria, que os agraciara com “poderes especiais” para combater a feitiçaria no norte da Alemanha.
O Martelo das Bruxas consistia numa espécie de manual de diagnóstico, dividindo-se em três partes: a primeira ensinava os juízes a reconhecer as bruxas em seus múltiplos disfarces e atitudes; a segunda expunha todos os tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os; e a terceira regrava as formalidades para agir "legalmente" contra as bruxas, demonstrando como processá-las, inquiri-las, julgá-las e condená-las.
Era um guia passo a passo sobre como conduzir o julgamento de uma bruxa, desde a reunião de provas até o interrogatório, incluindo as técnicas de tortura. Para dar três exemplos apenas, mulheres que não choravam durante o julgamento eram automaticamente consideradas culpadas de bruxaria; se elas confessassem sua culpa, seriam executadas, e, se não o fizessem, seriam torturadas para fazê-lo. Outra técnica consistia em jogar a acusada em um poço: se ela se afogasse, seria inocente; se flutuasse, porém, confirmaria sua condição de bruxa e seria executada ou torturada antes para confessar.
O terror causado pela sexualidade das mulheres resultou em centenas de milhares de mortos, a maior parte mulheres, no decorrer de três séculos de julgamentos de feitiçaria. O processo de tortura era altamente sofisticado, e reunia uma vasta coleção de aparelhos e técnicas para causar dor mantendo a pessoa viva pelo tempo desejado. A tortura às acusadas envolvia a mutilação de seus seios e órgãos genitais, área de predileção dos torturadores, assim como abusos de qualquer espécie praticados pelos carrascos e os padres que lhes serviam de supervisores. Todo esse horror praticado por mais de três séculos levaria o autor americano R.E.L. Masters a escrever:
“Praticamente toda a culpa pelo horrível pesadelo que foi a caça às bruxas, e grande parte da culpa pelo envenenamento da vida sexual do Ocidente, devem ser imputadas à Igreja Católica Apostólica Romana”.
Atualmente, devido ao decrescimento de sua influência e poder, a interferência da Igreja na vida sexual do ocidente resume-se à aprovação do sexo unicamente para a procriação, à proibição do aborto em qualquer circunstância – mesmo no caso de engravidamento por estupro – e do controle da natalidade. A proibição do uso de preservativos contribui até hoje para a morte de milhares de pessoas - por doenças sexualmente transmissíveis - em países de menor desenvolvimento, como os países africanos. Entretanto, contraditoriamente e apesar de processos milionários, a Igreja romana mesmo hoje mostra-se lenta e leniente na punição dos padres abusadores de crianças.
A Inquisição, criada de início para ser usada contra os cátaros, logo incorporou o novo papel de caçadora de “bruxas”, torturando e assassinando mulheres suspeitas, movimento ao qual os protestantes prontamente aderiram. Os primeiros julgamentos de bruxas aconteceram em Toulouse, sede da Inquisição anticátaros, e a última bruxa queimada pela Inquisição foi executada no Cantão de Glaris, na Suíça, em 1788 (pouco mais de duzentos anos).
Em 1487, dois padres dominicanos, Heinrich Kraemer e James Sprenger, publicaram o clássico Malleus Maleficarum (Martelo das Bruxas), que se tornaria o livro de cabeceira dos caçadores de bruxas europeus. Os autores fundamentaram as premissas do livro na bula Summis Desiderantes, emitida pelo Papa Inocêncio VIII em 1484, o principal documento papal sobre a bruxaria, que os agraciara com “poderes especiais” para combater a feitiçaria no norte da Alemanha.
O Martelo das Bruxas consistia numa espécie de manual de diagnóstico, dividindo-se em três partes: a primeira ensinava os juízes a reconhecer as bruxas em seus múltiplos disfarces e atitudes; a segunda expunha todos os tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os; e a terceira regrava as formalidades para agir "legalmente" contra as bruxas, demonstrando como processá-las, inquiri-las, julgá-las e condená-las.
Era um guia passo a passo sobre como conduzir o julgamento de uma bruxa, desde a reunião de provas até o interrogatório, incluindo as técnicas de tortura. Para dar três exemplos apenas, mulheres que não choravam durante o julgamento eram automaticamente consideradas culpadas de bruxaria; se elas confessassem sua culpa, seriam executadas, e, se não o fizessem, seriam torturadas para fazê-lo. Outra técnica consistia em jogar a acusada em um poço: se ela se afogasse, seria inocente; se flutuasse, porém, confirmaria sua condição de bruxa e seria executada ou torturada antes para confessar.
O terror causado pela sexualidade das mulheres resultou em centenas de milhares de mortos, a maior parte mulheres, no decorrer de três séculos de julgamentos de feitiçaria. O processo de tortura era altamente sofisticado, e reunia uma vasta coleção de aparelhos e técnicas para causar dor mantendo a pessoa viva pelo tempo desejado. A tortura às acusadas envolvia a mutilação de seus seios e órgãos genitais, área de predileção dos torturadores, assim como abusos de qualquer espécie praticados pelos carrascos e os padres que lhes serviam de supervisores. Todo esse horror praticado por mais de três séculos levaria o autor americano R.E.L. Masters a escrever:
“Praticamente toda a culpa pelo horrível pesadelo que foi a caça às bruxas, e grande parte da culpa pelo envenenamento da vida sexual do Ocidente, devem ser imputadas à Igreja Católica Apostólica Romana”.
Atualmente, devido ao decrescimento de sua influência e poder, a interferência da Igreja na vida sexual do ocidente resume-se à aprovação do sexo unicamente para a procriação, à proibição do aborto em qualquer circunstância – mesmo no caso de engravidamento por estupro – e do controle da natalidade. A proibição do uso de preservativos contribui até hoje para a morte de milhares de pessoas - por doenças sexualmente transmissíveis - em países de menor desenvolvimento, como os países africanos. Entretanto, contraditoriamente e apesar de processos milionários, a Igreja romana mesmo hoje mostra-se lenta e leniente na punição dos padres abusadores de crianças.
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