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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Anos “00” serão lembrados por orgânicos, divórcios e geração flex


Vimos surgir novos comportamentos sexuais e nos separarmos como quem muda a roupa – mas só se for de algodão sustentável

Marianne Piemonte, especial para o iG São Paulo | 29/11/2010 14:33

Foto: Guilherme Lara Campos/ Fotoarena

Se todo final de ano as pessoas fazem retrospectivas e balanços – e, claro, promessas para o novo ano –, imagine quantas considerações não podemos fazer sobre uma década inteira. O iG selecionou temas que marcaram os últimos dez anos e procurou especialistas para tentar entender o que passou e prever as tendências para os próximos dez. E encontrou boas e más notícias.

Entramos no século 21 mais magros, mas desandamos. Estudos dizem que se as taxas de obesidade não diminuírem, em dez anos teremos 30% da população com sobrepeso, índice idêntico ao dos EUA, nação que mais sofre com essa epidemia no mundo. Para piorar, ficamos 24% mais sedentários, o que segundo a coordenadora do laboratório de obesidade da Escola Paulista de Medicina, Ana Damaso, pode diminuir o tempo de vida de uma pessoa em até 8 anos.

Orgânicos: 30% de expansão ao ano na década, graças a consumidoras como Joana Curvo
Mas também ficamos mais orgânicos e sustentáveis. Produzimos e consumimos mais produtos sem agrotóxicos. Segundo a Federação Internacional de Agricultura Orgânica (IFOAM) o ritmo de crescimento desse setor deve permanecer em 30% ao ano. E contratamos personais tudo para nos ensinar a fazer ioga, comprar sapatos e levar os cachorros para passear.

Outra tendência foi a “geração flex”, de meninos e meninas que já começam a vida sexual com garotos e garotas do mesmo sexo. Segundo a sexóloga da USP, Carmita Abdo, isso não significa uma geração homossexual. “Quer dizer apenas que quem tem tendência deverá se descobrir mais cedo”, diz. Mas, para Regina Navarro, nossa colunista, a bissexualidade é sim outra tendência. Isso, e tantas outras coisas, só a próxima década poderá comprovar.

Orgânicos – O Brasil verde amadureceu
Todo sábado começa do mesmo jeito na casa da paulistana Joana Curvo. Ela escolhe uma de suas sacolas de feira, ou eco bags, liga para uma amiga e elas vão juntas à Feira de Orgânicos do Parque da Água Branca. Ali, ela conhece os produtores, os trata pelo nome e aprendeu que, quando chove muito, não deve levar folhas para casa, mas legumes e sempre os da estação. “Esse contato, além de gostoso, faz parte do que é viver organicamente”, conta.

Joana nem lembra quando essa filosofia entrou em sua vida, diz que nasceu assim: orgânica. Quando ela estava com seis anos, sua família foi morar na Itália, em Milão. Lá, seus pais se encantaram com orgânicos e biodinâmicos. Hoje, no Brasil, morando em seu apartamento nos Jardins (São Paulo), ela leva o mesmo estilo de vida que aprendeu desde menina. Recicla lixo, prefere transporte coletivo, usa cosméticos orgânicos (adora os de uma marca alemã porque ninguém é de ferro) e se trata com homeopatia sempre que possível.

Como Joana, cada vez mais brasileiros adotam uma vida orgânica. Segundo dados da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), esse setor cresce em média 30% ao ano no Brasil. Sendo que nos últimos anos dessa década, registrou-se um crescimento de vendas de 50%, superior aos países da Europa, que abraçaram esse sistema antes de nós.

Com esses números, o Brasil ocupa atualmente o 34o lugar no ranking dos países exportadores de produtos orgânicos. Estima-se que já são cultivados perto de 100 mil hectares em cerca de 4.500 fazendas ou cooperativas. Aproximadamente 70% da produção encontra-se nos estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo.

No entanto, o engenheiro agrícola Geraldo Deffune, fundador da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica e um dos pioneiros na agricultura orgânica no país, vê com reservas a multiplicação de lojas que vendem artigos orgânicos nas grandes cidades. “Orgânicos não são só alimentos que não usam produtos químicos. Ser orgânico e sustentável é também interagir com produtores, preocupar-se com a saúde de quem os cultiva e assim por diante. Marketing não é orgânico”, diz. Deffune é um crítico de restaurante e empresas que usam o selo verde como bandeira, mas não atuam de fato como sustentáveis. “O Brasil é muito grande e é fato que cresceremos mais 30% ao ano na próxima década. Resta saber se essa sustentabilidade toda vai se sustentar”.

Personais tudo – Com que roupa, quantos abdominais ou com quem sair à noite?
Antes era só o analista. Você, ele e o divã. Havia também aulas de reforço do colégio ou de idiomas. Isso quando personal ainda era traduzido: chamava particular. Ao longo da última década, veio o personal trainner, shopper, stylist e até cachorros foram contemplados com personals walkers (mas pode chamar de passeador de cachorro, mesmo). Hoje, é possível começar o dia com um professor de ioga ensinando asanas só para você na sua sala, vestir-se para trabalhar com roupas que alguém comprou e definiu como “seu” estilo e terminar com uma personal sex trainner. Sim, você leu isso mesmo.

Segundo Luciana Saddi, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise e autora do livro “Perpétuo-Socorro”, essa busca por serviços de qualidade nos remete a uma compartimentalização da vida. “Não acreditamos num simples saber surgindo de nossa experiência, recorremos aos especialistas, que nos tratam, na maioria das vezes, de forma infantilizada. Dizem o que e como devemos comer, transar, vestir e morrer”, diz.

Luciana acredita essa multiplicação de terapias individualizadas não quer dizer que estamos mais egoístas. Como estamos sempre ocupados com a vida nas metrópoles, ficamos sem tempo para cuidar dela. “Esta é uma oferta que cumpre as necessidades da sociedade de massa de consumo, que cria pessoas que agem e agem e agem, sem pensar”, diz. Para a especialista, essa é uma tendência. “Cada vez menos passearemos com nossos cachorros ou cuidaremos de nossos filhos”, acredita.

Divórcios – Ainda é possível ser feliz a dois?
Na última década, os números de divórcios bateram recordes atrás de recordes no Brasil, ano após ano. O único ano que isso não aconteceu foi em 2004, quando também não houve queda, apenas estabilização da taxa.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado foram registrados cerca de 188 mil divórcios no País, ou seja, para cada cinco casamentos há um divórcio. Quem faz parte dessa estatística é a agente de viagens Ângela Maria Nogues, 49. Depois de 25 anos de união, entre casamento e namoro, dois filhos e uma traição, ela resolveu se separar. “Não digo que foi fácil, mas hoje sei que o divórcio me fez um bem enorme”, diz.

“Não digo que foi fácil, mas sei que o divórcio me fez um bem enorme”, diz Ângela Maria Nogues
Para Nelson Sussumo Shikicima, presidente da comissão de direito da família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a descomplicação da lei dos divórcios, que hoje podem ser feitos nos cartórios, ajuda a elevar ainda mais essas taxas. “Agora você pode casar em um dia e se divorciar no outro, de forma mais barata e sem complicações de justiça”, diz. Mas faz uma ressalva: quem quiser se reconciliar terá que casar outra vez (para isso que antigamente servia o período de separação).

Entre 1984 e 2007, o aumento no número de divórcios foi de 200%. Outro dado importante, ainda é a mulher que costuma terminar o casamento: dos 188.098 pedidos de divorcio feitos no ano passado, 71,7% partiram delas. “Isso desmente que a mulher tenha o casamento como interesse”, diz Shicicima. Segunda ele, nada indica que essa tendência irá mudar.

Ângela conta que levou quatro anos para reestruturar a vida, mas fez amigos novos, aulas de dança e hoje namora um homem que a respeita e trata com carinho. O que ela acha do divórcio? “Uma benção. A vida já nos traz tantas preocupações, por que viver com quem não nos dá valor?”, questiona.

Experimentações sexuais – Depois da geração Y, conheça a geração flex
Se no começo dos anos 60 alguém dissesse que em 2010 seria tão fácil se divorciar quanto se casar, ou que as mulheres não subiriam virgens ao altar, essa pessoa provavelmente seria internada como louca. Por isso, quando a sexóloga Regina Navarro diz que a bissexualidade é uma tendência que deve predominar nas próximas décadas, é melhor não duvidar.

Não é novidade que os jovens iniciam a vida sexual hoje mais cedo, com cerca de 15 anos. Há uma década costumava ser por volta dos 17. O que mudou em 2010 foi o surgimento do que Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos do sexo da USP, chamou de “geração flex”. Meninos e meninas que iniciam a vida sexual com meninos e meninas do mesmo sexo.

Regina acha que as barreiras entre o que é masculino e feminino estão se dissolvendo. “Não há mais nada que interesse ao homem e que não interesse à mulher, e vice-versa”, diz. Com isso, a tendência é buscar no objeto amoroso características de personalidade que lhe agradam. O que não precisa estar necessariamente no sexo oposto. Para ela, isso tem acontecido principalmente com as meninas. “Não quer dizer que teremos um maior numero de lésbicas. Mas quem tiver tendência ao homossexualismo talvez se encontre mais cedo”, diz Carmita, que também é autora do livro “A Descoberta Sexual do Brasil”.

As duas especialistas concordam quando o assunto são os meninos. “Para eles ainda é muito mais difícil se liberar de estigmas da sociedade patriarcal, na qual ele é o forte, o que não chora e o que tem a homossexualidade ainda quase como doença”, diz Regina, autora do polêmico “A Cama na Varanda”.

No entanto, estudos recentes mostram que até entre os meninos há uma novidade que era inaceitável há dez anos. “Eles agora entendem a possibilidade de serem traídos; não que desejem, mas passam a compreender que se eles traem podem ser traídos”, conta Carmita. Parece que é o começo do fim da filosofia “joga pedra na Geni”. E mais um sinal de uma sociedade mais igual entre homens e mulheres.

Obesidade – O Brasil e a epidemia mundial
O Brasil tem hoje menos de 5% da população com déficit de peso. Essa é uma boa notícia. A má é que em dez anos duplicou o número de obesos entre crianças e adolescentes. Hoje, o sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos. Segundo o Ministério da Saúde, mantido esse ritmo, em dez anos estaremos tão gordos quantos os americanos – nos EUA, 30% da população é obesa.


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A professora Ana Damaso é a responsável pelo grupo de estudos sobre obesidade da Escola Paulista de Medicina. Ela diz que a primeira coisa a se fazer contra essa epidemia é ter consciência de que obesidade é uma doença. A Organização Mundial da Saúde assim determinou em 1985. “Depois, é preciso ressaltar que a obesidade abrevia a vida das pessoas e diminui a qualidade desse tempo de vida”, diz.

Gordura no fígado, diabetes, problemas cardiovasculares, além de ansiedade e depressão são alguns dos problemas que os jovens obesos sofrem hoje. E não precisa ser profeta para diagnosticar, como Ana Damaso: “Jovens doentes serão adultos doentes”. Para a especialista, os brasileiros precisam comer menos alimentos industrializados, dormir bem e se exercitar mais para que esse quadro seja revertido.

Sedentarismo – Se movimentar é preciso
O Vigitel, um relatório anual feito pelo Ministério da Saúde, trouxe os mais recentes dados sobre a alimentação e atividade física no Brasil. “Observamos um predomínio de alimentos de alto teor de gordura e açúcar na mesa dos brasileiros e isso não é compensado com aumento de atividades físicas. Pelo contrario, as pessoas estão cada vez mais sedentárias”, diz Deborah Malta, coordenadora geral da pesquisa e responsável pelo setor de doenças e agravos não transmissíveis do Ministério da Saúde.

O relatório mostra que apenas 14,7% dos adultos fazem algum tipo de atividade física, o que segundo a Organização Mundial da Saúde significa 30 minutos, cinco vezes por semana. O número de sedentários hoje no Brasil soma 16,4% da população. Com isso, o relatório anuncia que o Brasil está 24% mais sedentário do que há cerca de dez anos.

“É um número assustador, se levarmos em consideração que uma pessoa sedentária diminui seu tempo de vida em até oito anos”, diz Ana Damaso, que coordena na Unifesp o grupo de estudos da obesidade. Ana acredita que para reverter esses números será preciso campanhas de conscientização e políticas públicas, principalmente nas grandes cidades. “Quem vive no interior ou na área rural do País ainda se movimenta mais, mas nas grandes cidades estamos cada vez mais enclausurados, o que aumenta esse desafio”. Independentemente de como for, a professora diz que a única solução é se exercitar. “Se combinados a obesidade com o sedentarismo podem diminuir em 15 anos a vida de um indivíduo”, diz.

Apesar de assustador, começar a malhar não tem relação direta com tortura ou longas sessões na esteira feito um hamster. “Dançar, jogar bola com os filhos, caminhar no quarteirão para ir à padaria ou trocar o elevador pelas escadas podem ser o início de uma vida mais saudável”. Soa até como uma promessa pessoal para a década que começa.

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