Durante muito tempo tivemos a impressão de que a morte era uma etapa distante da vida e sem solução aparente. Essas idéias ocorriam porque todas as religiões falavam da morte como uma “coisa bela”, cheia de esperança e quase feliz. Mas vemos pessoas chorando e até entrando em estado de alucinação pela perda de um ente querido. Por isso, resolvemos investigar a fundo a realidade da morte e alguns personagens históricos e descobrimos que a morte tem seu lado místico.
A história recente registra um grande número de artistas, músicos, pensadores, figuras do meio eclesiástico, homens e mulheres anônimos que enfrentaram a morte de maneira inusitada. Para quem morre fica o legado da sua obra, perguntas sem resposta e uma certeza: diante da morte todos somos iguais o problema é como a ela encaramos.
Temos no nordeste a figura mítica de Pe. Cícero e Luiz Gonzaga: este último deixou um legado inesquecível na música e na nossa cultura. Quem esquece a Triste Partida, A Prece a Nossa Senhora, O louvor ao Papa João, reconhecendo o valor histórico de João XXIII? E o cantor Tim Maia, figura polêmica que recebe no dia de finados milhares de visitas no seu túmulo. Impossível não pensar no lado místico da morte ao ouvir: “ah se o mundo inteiro me pudesse ouvir tenho muito prá contar dizer que aprendi. Que na vida à gente tem que entender que uns nasce prá sofrer enquanto outro ri”. E como esquecer Vinícius de Moraes com seu lado poético e boêmio. Numa das viagens de volta da Unicap, descobrimos numa leitura que até sobre a morte o músico pensou, deixando-a envolto num misto de desencanto, inquietude e irreverência: “Ela virá me abrir à porta como uma velha amante sem saber quem é minha mais nova namorada”. O que dizer sobre a figura de Renato Russo, seus poemas e músicas que marcaram gerações. Quando ouvimos o artista até parece que ele está em nossa frente declamando, curtindo conosco, interpelando-nos ou mesmo nos fazendo crer que a vida termina logo ali, ali, ali aonde? Ali, sem endereço, sem conclusão, sem caminho e talvez só com chegada. E o que dizer de Irmã Dorothy Stang, filha das irmãs de Notre-Dame, a incansável defensora dos pobres? Como foi assinada? O que significou sua morte? O que comentar no dia de finados, ao pensar sobre a morte e lembrarmos-nos de D. Távora e D. Hélder. O primeiro completaria cem anos de vida em 2010 – caso estivesse vivo – com uma passagem nesse mundo permeada de lutas, encantos, alegrias e deixando muita saudade. E o segundo: quem esquece a figura de estatura baixa e voz imponente? Desafiou as estruturas sociais e religiosas do seu tempo impondo ao Brasil e ao mundo a certeza de que vale a pena lutar pelos humildes, defender os fracos, sonhar com mudanças que ajudem o ser humano a ser mais solidário. Será que a morte calou sua voz profética? Achamos que não. É constante o desafio do ser humano perante essa realidade da sua existência. Mas insistimos que a morte tem seu lado místico.
E para as religiões o que é a morte? Sem dúvida temos tantas filosofias e doutrinas que se arriscam desde a antiguidade a pensar e dizer algo sobre ela. Na verdade, cada grupo religioso aponta uma solução imediata para a morte, diante da angústia que invade o ser humano. Só que muitas vezes não convence. Há muitos que falam em passagem, viagem e descanso eterno. Porque a questão em foco está naquilo que enxergam: consolar seus adeptos que perdem pessoas queridas. Ao passo que a mística da morte indica outra reflexão. As religiões devem preocupar-se em ajudar seus seguidores a viverem e serem melhores. Mais tolerantes, amáveis, compassivos – como sempre preconiza o budista tibetano Dalai-Lama – car idosos e cheios de ternura. Tudo isso porque a morte não está lá, não está além, nem amanhã e nem no futuro. Nós convivemos todos os dias com a vida e a morte. “Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão. Mas, na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1Cor 15, 19-20). Somos seres desejantes e queremos sempre mais: queremos sonhar mais, viver mais tempo, alcançar nossos objetivos e superar nossos limites. Nessa condição está o lado místico da morte. Só ela pode nos fazer enxergar nossa finitude e também nos impulsionar para existir com mais alegria, com mais entusiasmo e sempre descortinando as barreiras do impossível. Para o ser humano o impossível não existe. O que prevalece é sua vo ntade de ser feliz e eterno. E é justamente a morte que se coloca – não como conceito ou resposta religiosa obsoleta – no caminho da sua realização definitiva. Por isso ela possui seu lado místico. Só pela mística enxergamos o morto vivo. O feio passa a ser bonito. O diabo vira santo. O pecador torna-se virtuoso. A magia vira encanto e a decepção acalanto. Só o lado místico da morte consegue ser bálsamo dos angustiados.
No dia de finados todos temos que postular alguma coisa e defender nossas crenças. Até os sem religião precisa fazê-lo. É inerente a nossa condição buscarmos resposta para nossas inquietudes. Desejamos encontrar na existência de alguém ou no além, alguma palavra ou gesto que abata nossa dor quase invisível. Preferimos chamar para o hoje da vida, aquele que a morte tentou vencer e acabou sendo vencida: JESUS CRISTO. Porque trazê-lo à tona? Ele encarna a experiência vital de milhares de homens e mulheres que sendo cristãos não se conformam com a morte agora e crêem na plenitude da vida. “Não se perturbe o vosso coração! Credes em Deus, crede em também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não f osse assim, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós” (João 14, 1-2). É mais do que um texto histórico que se celebra nas igrejas cristãs pelo mundo inteiro. Trata-se de um itinerário a ser perseguido. Jesus encerra Nele a vontade humana de eternidade. Jesus se coloca como o caminho que desvenda o sentido da morte. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (João 14, 6). Enfrentemos essa condição indescritível da condição humana e creiamos na possibilidade de vencer nossas tragédias repetindo a máxima repetida pelos antigos antes de dormir: “Que o Senhor nos conceda uma noite santa e uma morte feliz”. Amém, Axé, Aleluia!
Pe. José Soares de Jesus Mestrando em Ciência das Religiões
UNICAP (PE)
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