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sábado, 30 de outubro de 2010

FÉ E POLITICA - TEXTO DO PE. REGINALDO VELOSO E DO FREI BETTO

scv , ou seja, não adianta tapar o sol com uma peneira!

Quando eu estudava em Roma, lá pelo final da década de 50 e ao longo do primeiro lustre da década de 60, em pleno Concílio Vaticano II, já se parodiava e ironizava sobre as coisas da Cidade do Vaticano, isto é, sobre os “modos horríveis” da Cúria Romana.

Lembro as placas dos carros da Cidade do Vaticano: antes do número, a inscrição “SCV”, para indicar que tais viaturas pertenciam à cidade-estado que se intitulava “Santa Città del Vaticano”! Os gaiatos e maldosos, então, assim desdobravam a venerável sigla: Se Cristo Vedesse! Alguns preferiam em latim: Si Christus Vidisset...

Realmente, “se Cristo visse” o que se passava nos meandros daquela veterana e inveterada instituição, “coisa dos homens”, muito mais do que “coisa de Deus”, com certeza, não a teriam por tão venerável, a ponto de chamá-la de “Santa”.

É o que me ocorre quando abro a home page da UOL e dou de cara como o discurso do Papa Bento XVI aos bispos de um dos Regionais da CNBB, mas, extensivo a todos os bispos do Brasil:

É claro que apoiados em um tal discurso, os bispos de São Paulo, especialmente o de Guarulhos, e um certo padre da “Canção Nova”, vão se sentir mais que respaldados em seus posicionamentos contrários ao PT e sua candidata a presidente.

É a coisas assim que o povo chama de “coisa feita”. Conseguiram que ninguém menos que o papa interferisse no processo eleitoral brasileiro, na ante-véspera do II Turno, pra ver se ainda revertem o resultado unânime das pesquisas e ressuscitam seu cadáver político.

Esqueceram-se somente de informar o papa, por exemplo, sobre um salário mínimo que há oito anos atrás correspondia a US$ 78.00 e agora corresponde a US$ 210.00... sobre os 15 milhões de empregos formalizados ao longo desses últimos 8 anos... sobre os 23 milhões de brasileiros e brasileiras que saíram da condição de miseráveis...

Esqueceram-se de ponderar com Sua Santidade sobre os milhares e milhares de abortos que muito provavelmente foram evitados, graças ao simples fato de milhões de famílias terem saído das angústias da miséria, e tantas mães, sobretudo adolescentes, terem podido, assistidas por suas famílias, optar pela vida de sua prole, o que vale muito mais que leis que criminalizem ou descriminalizem essa triste prática.

Esqueceram-se, sobretudo, de levar o papa a cobrar dos bispos que seus padres se dediquem muito mais a uma pastoral de evangelização e de comunidades, onde as pessoas em suas angústias, especialmente as mais jovens, se sintam acolhidas, amparadas, orientadas, motivadas e solidariamente assistidas, a ponto de poderem evitar uma gravidez indesejada e, caso isso venha a acontecer, tenham condições de optar pela vida.

O que, hipocritamente , se esquece é que grande parte do clero se dedica, o tempo todo, a uma prática sacramentalista mercantil, que nada tem a ver com a missão recebida d’Aquele que disse: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância! (Jo 10,10).

Enfim, que resposta, o papa e os bispos do Brasil, terão a dar à humanidade e a Deus, se esse país voltar às garras de um sistema que, há séculos, só tem sugado o sangue da imensa maioria da nossa gente, pobre e sem perspectivas de libertação e de vida com dignidade, e servido exclusivamente aos interesses excludentes de uma elite que se deleita em banquetear-se às custas da venda de nossas riquezas a países e corporações poderosas que teimam em explorar a humanidade e devastar o planeta?...

Reginaldo Veloso
Presbítero das CEBs
Assistente Regional do Movimento de Trabalhadores Cristãos - MTC

ATEÍSMO MILITANTE
Frei Betto

No decorrer da campanha presidencial afirmei, em artigo sobre Dilma Rousseff, que ela nada tem de “marxista ateia” e que “nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar com violência os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte".
O texto provocou reações indignadas de leitores, a começar por Sr. Gerardo Xavier Santiago e Daniel Sottomaior, dirigentes da ATEA (Associação Nacional de Ateus e Agnósticos).
Desfruto da amizade de ateus e agnósticos e pessoas que professam as mais diversas crenças. Meus amigos ateus leram o texto e nenhum deles se sentiu desrespeitado ou comparado a torturadores.
O que entendo por “ateísmo militante”? É o que se arvora no direito de apregoar que Jesus é um embuste ou Maomé um farsante. Qualquer um tem o direito de descrer em Deus e manifestar essa forma negativa de fé. Não o de desrespeitar a crença de cristãos, muçulmanos, judeus, indígenas ou ateus.
A tolerância e a liberdade religiosas exigem que se respeitem a crença e a descrença de cada pessoa. Defendo, pois, o direito ao ateísmo e ao agnosticismo. Minha dificuldade reside em acatar qualquer espécie de fundamentalismo, seja religioso ou ateu.
Sou contrário à confessionalidade do Estado, seja ele católico, como o do Vaticano; judeu, como Israel; islâmico, como a Arábia Saudita ou ateu, como a ex-União Soviética. O Estado deve ser laico, fundado em princípios constitucionais e não religiosos.
Não há prova científica da existência ou inexistência de Deus, lembrou o físico teórico Marcelo Gleiser no encontro em que preparamos o livro “Conversa sobre Ciência e Fé” (título provisório) que a editora Agir publicará nos próximos meses. Gleiser é agnóstico.
Assim como não tenho direito de considerar alguém ignorante por ser ateu, ninguém pode “chutar a santa” (lembram do caso na TV?) ou agredir a crença religiosa de outrem. Por isso, defendo o direito ao ateísmo e me recuso a aceitar o ateísmo militante.
Advogar o fim do ensino religioso nas escolas, a retirada dos crucifixos nos lugares públicos, o nome de Deus na Constituição e coisas do gênero, nada têm de ateísmo militante. Isso é laicismo militante, que merece minha compreensão e respeito.
O Deus no qual creio é o de Cristo, conforme explicito no romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco). É o Deus que quer ser amado e servido naqueles que foram criados “à sua imagem e semelhança” – homens e mulheres.
Não concebo uma crença abstrata em Deus. Não presto culto a um conceito teológico. Nem me incomodo com os deuses negados por Marx, Saramago e a ATEA. Também nego os deuses do capital, da opressão e da Inquisição. O princípio básico da fé cristã afirma que o Deus de Jesus é reconhecido no próximo. Quem ama o próximo ama a Deus – ainda que não creia. E a recíproca não é verdadeira.
Ateísmo militante é, pois, profanar o templo vivo de Deus: o ser humano. É isso que praticam torturadores, opressores e inquisidores e pedófilos da Igreja Católica. Toda vez que um ser humano é seviciado e violentado em sua dignidade e direitos, o templo de Deus é profanado.
Prefiro um ateu que ama o próximo a um devoto que o oprime. Não creio no deus dos torturadores e dos protocolos oficiais, no deus dos anúncios comerciais e dos fundamentalistas obcecados; no deus dos senhores de escravos e dos cardeais que louvam os donos do capital. Nesse sentido, também sou ateu.
Creio no Deus desaprisionado do Vaticano e de todas a religiões existentes e por existir. Deus que precede todos os batismos, pré-existe aos sacramentos e desborda de todas as doutrinas religiosas. Livre dos teólogos, derrama-se graciosamente no coração de todos, crentes e ateus, bons e maus, dos que se julgam salvos e dos que se creem filhos da perdição, e dos que são indiferentes aos abismos misteriosos do pós-morte.
Creio no Deus que não tem religião, criador do Universo, doador da vida e da fé, presente em plenitude na natureza e nos seres humanos.
Creio no Deus da fé de Jesus, Deus que se aninha no ventre vazio da mendiga e se deita na rede para descansar dos desmandos do mundo. Deus da Arca de Noé, dos cavalos de fogo de Elias, da baleia de Jonas. Deus que extrapola a nossa fé, discorda de nossos juízos e ri de nossas pretensões; enfada-se com nossos sermões moralistas e diverte-se quando o nosso destempero profere blasfêmias.
Creio no Deus de Jesus. Seu nome é Amor; sua imagem, o próximo.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de “Mística e Espiritualidade” (Vozes), entre outros livros.

Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

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