Blog do Daniel Cara
Daniel Cara
A
Folha de S. Paulo divulgou nesse sábado (04) números nacionais sobre o
investimento público em educação. Segundo o jornal, com base em dados do
Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira), o Brasil investe 6,6% do PIB no setor.
Alguns pontos
chamam a atenção. Sem retirar o mérito do veículo em divulgar
informações inéditas, deveria ter havido uma coletiva de imprensa
oficial sobre o tema. Além de mais democrático e transparente, como deve
ser toda divulgação de dados governamentais e de interesse público,
isso daria a oportunidade para os jornalistas e estudiosos
problematizarem os montantes. Também seria necessária a produção de um
estudo que discorresse detalhadamente sobre os valores. Essa era a
prática do Inep até 2010.
Na manhã do sábado (04), não encontrei
no site do órgão qualquer informação sobre os dados divulgados pela
Folha de S. Paulo. Na sessão “Investimento público em educação”
as informações mais atualizadas vão até 2011. A falha pode ter sido
minha, mas os manuais de transparência são claros: o acesso às
informações deve ser fácil.
Outro problema é que a principal
matéria publicada na Folha de S. Paulo traz apenas dados relativos ao
investimento público total. Ou seja, contabiliza-se o investimento
público em educação pública, mas também em parcerias público-privadas.
No passado, duas informações eram divulgadas: primeiro, o patamar de
investimento público direto (dinheiro público investido em educação
pública); depois, o investimento público total.
Pela internet, os
dados divulgados no jornal também não trazem a participação de
investimento por ente federado; creio que o mesmo ocorra na versão
impressa. Os
últimos valores veiculados sobre esse tema estão disponíveis apenas no
blog do jornalista Fernando Rodrigues, graças a um requerimento de
informação impetrado pelo Senador Randolfe (Psol-AP). Na época descobriu-se que o esforço financeiro da União não avançava se comparado ao empenho de Estados e Municípios.
As
duas matérias da Folha de S. Paulo também trouxeram o dado de que a
média de custo-aluno por ano nas redes públicas brasileiras foi de R$
6.203 em 2013, o que demonstra avanço – fruto, diga-se de passagem, de
muita luta social. Contudo, a falta da devida problematização dos dados
sempre leva a erros de interpretação. Trata-se da média. E a média no
Brasil é o melhor esconderijo das desigualdades. Além disso, entre
pesquisadores e gestores públicos, há dúvidas sobre a validade dos
dados, normalmente extraídos do Siope (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação). Embora meritório, esse sistema ainda sofre com muitos problemas de preenchimento e validação de dados.
Ademais,
a maior parte das redes públicas brasileiras conta essencialmente com
os recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e Valorização dos Profissionais da Educação). E ele representa
quase a metade do custo-aluno por ano informado pelo Inep.
Por
último, quase todas as fontes ouvidas nas duas matérias publicadas pela
Folha de S. Paulo insistem em uma suposta obviedade: “não bastam
recursos, é preciso melhorar a gestão”. O Brasil precisa compreender que
o financiamento é parte da gestão educacional, não algo apartado dela. A
lógica é simples: para pagar os profissionais da educação e manter as
escolas com dignidade é preciso ter o recurso necessário. Sob qualquer
ótica, há consenso de que os valores praticados no país são
insuficientes. O mecanismo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial)
comprova isso.
Também é necessário lembrar que, além de obrigação,
deve ser compromisso do gestor público otimizar custos, gerir o
dinheiro do contribuinte com eficiência e responsabilidade. Mas com os
montantes atuais, não é possível melhorar a educação. Por exemplo, hoje
os professores recebem, em média, cerca de 70% do que a média salarial
das demais profissões com a mesma escolaridade. E como a média, além de
esconderijo, é o reino das desigualdades, a realidade de grande
parte dos docentes é bem pior.
Coube a Luiz Claudio Costa,
secretário executivo do MEC (Ministério da Educação), o exercício da
lucidez nas matérias da Folha de S. Paulo. Sobre o aumento de recursos no Ensino Médio,
ele afirmou: “Essa é uma resposta de longo prazo. O investimento feito
vai ter [repercussão] numa geração mais à frente”. Perfeito.
Acrescentaria e insistiria apenas que os valores ainda estão aquém do
necessário.
Diante desse quadro, a expectativa é que o Inep
estabeleça, novamente, procedimentos republicanos para a divulgação dos
dados educacionais. Tanto no âmbito do financiamento da educação como no
caso das avaliações de larga escala empreendidas pelo órgão.
Diante
do descuido na divulgação dos dados, é bem possível que, a partir de
amanhã, editoriais de grandes jornais, matérias em rádios e canais de
televisão, além de textos de articulistas critiquem o patamar de
investimento em educação. Dirão que o montante praticado hoje já é alto,
segundo algum critério arbitrário – erro que não foi cometido pelos
jornalistas Flávia Foreque e Gustavo Patú, da Folha de S. Paulo. Em
seguida arrematarão: o ajuste fiscal impõe limites à ampliação dos
custos no setor. Enfim, é curioso ver como no Brasil há todo um
esforço para contrapor o financiamento adequado e justo de uma política
social como a educação.
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