Estudo pioneiro confirma grave poluição no rio Poxim
Método utiliza análise sobre o nível de sobrevivência de um microcrustáceo
Um dos rios que embelezam Aracaju está sendo vítima da própria
cidade. A poluição do rio Poxim, que também é fonte de sustento de
famílias de pescadores, é bastante conhecida e já foi alvo de diversos
estudos. Agora, um experimento pioneiro desenvolvido no Laboratório de
Estudos Ecotoxicológicos da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
confirmou os impactos degradantes sofridos pelo rio, através de um teste
que verifica a contaminação da água de acordo com o nível de
sobrevivência de um microcrustáceo.
Os misidáceos - como são conhecidos os indivíduos da espécie Mysidopsis juniae
- são pequenos crustáceos parecidos com o camarão. São organismos muito
sensíveis e sua utilização para esse tipo de experiência, em águas
salinas e salobras, é a única regulamentada pela Associação Brasileira
de Normas Técnicas (ABNT). Em Sergipe, o Laboratório de Estudos
Ecotoxicológicos é o primeiro a utilizar a espécie para testes em águas
salinas ou salobras, que são, respectivamente, as do mar e as dos
estuários - estes são a parte de um rio ou o conjunto de rios (bacia
hidrográfica) na desembocadura com o mar; todo o trecho do rio Poxim que
percorre Aracaju é de águas estuarinas.
O experimento com
misidáceos foi o primeiro realizado no estuário do rio Poxim e rendeu
aos pesquisadores uma premiação no X Encontro de Recursos Hídricos em
Sergipe (Enrehse), realizado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e
dos Recursos Hídricos (Semarh) no último mês de março. A pesquisa foi
desenvolvida pelos estudantes Anderson Alex Oliveira dos Santos e Meggie
Karoline Silva Nascimento e supervisionada pela professora do
Departamento de Ecologia Jeamylle Nilin. A professora é a responsável
pelo laboratório e orientou Anderson em seu trabalho de conclusão do
curso de Ecologia, inaugurando a pesquisa com misidáceos no rio Poxim,
com a colaboração de Meggie, também estudante do curso.
A pesquisa, segundo Jeamylle Nilin, reforça a necessidade de implementação de políticas públicas para o saneamento básicoSegundo
Jeamylle, desde o final de 2013 o laboratório dispõe de um cultivo de
misidáceos para suas análises. “As primeiras espécies foram adquiridas
de outro laboratório e, a partir de então, a população se mantém através
da reprodução”, explica. “Os misidáceos se alimentam de outro
microcrustáceo, a Artemia sp, também cultivado no laboratório”, detalha Jeamylle.
A
análise realizada pela equipe consiste em coletar água do rio em pontos
distintos. Essa amostra é então distribuída em três recipientes
(béqueres), nos quais, em cada um, são colocados 10 indivíduos dos
misidáceos, vivos, juvenis com idade de 1 a 7 dias. Os cientistas então
avaliam a qualidade da água de acordo com o índice de sobrevivência dos
misidáceos, comparando-o ao controle, que é outro recipiente contendo
outros 10 indivíduos, porém em água “limpa” - salgada artificialmente
(ver infográfico).
No estudo das águas do rio Poxim, foram
realizadas 6 coletas – em agosto, outubro e dezembro de 2014; e em
fevereiro, abril e julho de 2015 -, em três pontos da cidade de Aracaju:
na ponte Gilberto Vila Nova de Carvalho, bairro Inácio Barbosa; no píer
do Parque dos Cajueiros; e na ponte Godofredo Diniz, que liga os
bairros 13 de Julho e Coroa do Meio.
“Os
locais foram selecionados por abrangerem o estuário do rio Poxim, na
área habitacional de Aracaju”, esclarece Anderson Santos. “A escolha foi
também de acordo com o método de coleta, a partir de pontes ou píer,
porque coletar nas margens pode interferir nas amostras, por causa dos
sedimentos”, completa. Resultados
A
pesquisa de Jeamylle e seus alunos confirmou o que outros métodos já
indicavam: a baixa qualidade ambiental das águas do rio Poxim. As
pesquisas apontam para toxidade aguda nas amostras coletadas nos meses
de agosto/2014 e fevereiro/2015, na ponte do Inácio Barbosa e no Parque
dos Cajueiros. Já em dezembro/2014, a toxidade aguda foi verificada nas
amostras de todos os pontos coletados.
Os resultados mostram que a
contaminação das águas diminui no período chuvoso e aumenta no período
de estiagem. Jeamylle Nilin explica esse efeito. “Isso acontece porque o
Poxim recebe muito esgoto, sem tratamento”, alerta a professora. “O
esgoto, principalmente o doméstico, é um dos principais causadores da
baixa qualidade do rio”, analisa.
Anderson Santos alerta sobre o impacto que o ser humano pode causar no seu próprio ecossistemaIsso
mostra porque os resultados das amostras coletadas no bairro Inácio
Barbosa indicam maior contaminação: a região é a de maior densidade
habitacional nas margens do Poxim. Nesse trecho, as águas do rio já vêm
trazendo também a poluição recebida nos bairros Jabutiana e Santa Lúcia,
área em processo avançado de expansão imobiliária. Ironicamente, a
vegetação ciliar do Poxim vem dando lugar a condomínios com nomes
ligados à natureza: Flores, Verde, Bosque, Serras, Fontes.
Além da
poluição produzida pela urbanização em suas margens, os rios que cortam
Aracaju recebem ainda as águas contaminadas de mais de 70 canais que
fazem a macrodrenagem da cidade. Análises microbiológicas e
físico-químicas mostram que o Poxim apresenta índices de nitrogênio
amoniacal e amônia não ionizada acima do permitido pela resolução
357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), nas amostras
das três coletas, em todos os meses - com exceção, apenas, dos meses de
outubro de 2014 e abril de 2015, na ponte do bairro 13 de Julho, já
próximo ao rio Sergipe e ao mar.
“Na verdade, os canais daqui são
riachos que foram modificados e transformados para fazer a
macrodrenagem”, alerta Jeamylle, “esse é o grande problema, porque o
humano ocupou muito a região costeira e transformou rios e riachos em
canais de esgoto”.
Meggie Nascimento: dados foram apresentados em evento que recebeu gestores públicosSegundo dados oficiais
do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS) de
2014, apenas 36,5% dos domicílios de Aracaju tinham coleta e tratamento
de esgoto. “Então esse é um ponto muito importante, que reforça a
necessidade de implementação de políticas públicas para o saneamento
básico: ainda temos um grande caminho a percorrer”, destaca Jeamylle. A
professora ressalta as consequências da falta de cuidados com a
hidrografia de Aracaju. “O esgoto, uma vez que vai pro rio, vai para o
mar, e isso afeta tanto do ponto de vista ecológico, quanto turístico e
social”, assinala.
Nesse aspecto, a estudante Meggie Nascimento
salienta a relevância da premiação concedida à pesquisa pela Secretaria
de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. “Além da satisfação
pela conquista, foi importante porque apresentamos esses resultados em
um evento onde estavam presentes muitos gestores públicos”, analisa.
Imagem de satélite mostra esgoto de um canal sendo despejado no estuário dos rios Poxim-SergipePesquisa e premiação
O
Laboratório de Estudos Toxicológicos foi instalado em 2013 e ficou sob
responsabilidade da professora Jeamylle Nilin, que ingressara naquele
ano no Departamento de Ecologia da UFS. A partir daí, a doutora em
Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará formou
equipes de estudantes para pesquisar a ecotoxicologia em águas salinas e
salobras. Anderson Santos e Meggie Nascimento faziam parte dessas
pesquisas e as utilizaram nos seus trabalhos de conclusão de curso.
Enquanto
Meggie focou seus estudos na linha voltada aos compostos químicos,
Anderson trabalhou com as amostras ambientais, área que envolve a
pesquisa com os misidáceos no rio Poxim. “No entanto”, detalha Meggie,
“o trabalho no laboratório é coletivo, dessa forma todos contribuem com
as pesquisas dos colegas”. A estudante apresentou os resultados no
Enrehse porque, quando este foi realizado, Anderson já havia concluído a
graduação, enquanto Meggie estava cursando o mestrado em Ecologia. “E
também porque, como colaborei na pesquisa, conhecia os dados e os
resultados”, destaca.
“O prêmio serviu também para dar
visibilidade ao curso de Ecologia, que é relativamente novo”, acrescenta
Anderson (o curso foi criado em 2010). “Demonstra também a preocupação
em dar um retorno à sociedade, mostrando o impacto que o ser humano pode
causar no seu próprio ecossistema: o Poxim, um rio urbano completamente
poluído, sem saneamento”, pontua.
Jeamylle explica que a relação
entre a população e o meio ambiente tem mudado com o tempo. “Por muito
tempo se percebia que o pensamento que prevalecia era o de ‘poluir,
porque a natureza vai diluir’”, resume. “Nas últimas décadas,
entretanto, consideramos um novo paradigma, o do ‘bumerangue’, ou seja, a
compreensão de que tudo o que fazemos contra o meio ambiente acaba
voltando contra nós”, ilustra a docente.
Apesar de essa nova
perspectiva estar mais difundida, Jeamylle analisa que a situação ainda
se encontra distante do ideal. “As interferências no meio ambiente e
seus impactos são enormes, enquanto eliminá-las completamente é muito
difícil de acontecer”, reflete. A pesquisadora esclarece que o meio
ambiente tem uma capacidade regenerativa, ou seja, até se recuperaria se
a poluição cessasse. Como essa possibilidade é remota, o ideal é que
haja uma convivência sustentável entre a cidade e o ambiente.
“Precisamos auxiliar o rio a melhorar, a se regenerar, através de
técnicas de limpeza, tratamento da água. E, claro, quanto menos
interferência, melhor”, conclui. Marcilio Costa comunica@ufs.br
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