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domingo, 31 de dezembro de 2017
terça-feira, 26 de setembro de 2017
quando as famílias fazem da política um patrimônio
ESPECIAL: quando as famílias fazem da política um patrimônio
Uma
realidade da política sergipana, é que, passando de geração em geração,
vai fazendo com que a ocupação dos espaços de poder se perpetue entre as
poucas e mesmas famílias.
Por Tanuza Oliveira, Portal JL Política
Assim como nos negócios, inúmeras famílias sergipanas empunham o poder pátrio e tentam se perpetuar na seara política. O eleitor consente e tudo vai em frente.
Recentemente, o ex-deputado federal José Carlos Machado soltou uma de suas pérolas itabaianenses durante lançamento do livro “Visão da política de Sergipe (1946-2016) – Tudo como dantes…”, de autoria do desembargador aposentado Manuel Pascoal Nabuco Dávila:
“são oito vagas para federal: já estão eleitos o filho de Valadares, o filho de Valmir de Francisquinho, o filho de Jerônimo, o filho de Mitidieri, a filha de João Alves, o filho de Wagner (genro de Luciano Barreto), e o filho de Pupinha (Carlos Augusto Ribeiro). Só tem uma vaga, que será do filho da puta”.
Com a frase irônica, Machado, até sem querer, traz à tona uma realidade da política sergipana, que, passando de geração em geração, vai fazendo com que a ocupação dos espaços de poder se perpetue entre as poucas e mesmas famílias.
O que, em Sergipe, ganha traços ainda mais visíveis – e naturalmente questionáveis. Por aqui, você certamente já ouviu falar nos Alves, Franco, Sobral, Reis, Ribeiro, Mitidieri e, provavelmente, já até votou em alguns deles também.
Os Reis, de Lagarto, por exemplo, já passaram pelo avô, dois filhos, dois netos e, na última eleição, tentaram emplacar o bisneto. Tudo começou com Arthur Reis, que foi prefeito do município e deputado estadual. A linhagem política seguiu com Jerônimo Reis, filho dele, que também foi eleito vice-prefeito, prefeito de Lagarto e deputado estadual e federal.
Assim como nos negócios, inúmeras famílias sergipanas empunham o poder pátrio e tentam se perpetuar na seara política. O eleitor consente e tudo vai em frente.
Recentemente, o ex-deputado federal José Carlos Machado soltou uma de suas pérolas itabaianenses durante lançamento do livro “Visão da política de Sergipe (1946-2016) – Tudo como dantes…”, de autoria do desembargador aposentado Manuel Pascoal Nabuco Dávila:
“são oito vagas para federal: já estão eleitos o filho de Valadares, o filho de Valmir de Francisquinho, o filho de Jerônimo, o filho de Mitidieri, a filha de João Alves, o filho de Wagner (genro de Luciano Barreto), e o filho de Pupinha (Carlos Augusto Ribeiro). Só tem uma vaga, que será do filho da puta”.
Com a frase irônica, Machado, até sem querer, traz à tona uma realidade da política sergipana, que, passando de geração em geração, vai fazendo com que a ocupação dos espaços de poder se perpetue entre as poucas e mesmas famílias.
O que, em Sergipe, ganha traços ainda mais visíveis – e naturalmente questionáveis. Por aqui, você certamente já ouviu falar nos Alves, Franco, Sobral, Reis, Ribeiro, Mitidieri e, provavelmente, já até votou em alguns deles também.
Os Reis, de Lagarto, por exemplo, já passaram pelo avô, dois filhos, dois netos e, na última eleição, tentaram emplacar o bisneto. Tudo começou com Arthur Reis, que foi prefeito do município e deputado estadual. A linhagem política seguiu com Jerônimo Reis, filho dele, que também foi eleito vice-prefeito, prefeito de Lagarto e deputado estadual e federal.
Linhagem Política
Mais recentemente, Sérgio e Fábio,
filhos de Jerônimo e netos de Arthur, foram os responsáveis por manter o
sobrenome da família aceso na urna eletrônica. O primeiro foi deputado
federal, mandato ocupado hoje por Fábio pela segunda vez.
Jerônimo Neto foi candidato a prefeito de Lagarto no ano passado, no lugar do avô, impedido por questões judiciais. Sem falar em Goretti Reis, irmã de Jerônimo, que é deputada estadual.
Também em Lagarto, o atual prefeito, Valmir Monteiro, já tem no filho um sucessor. Ibrain Monteiro é vereador e presidente da Câmara do município. Ali, tem ainda o deputado estadual de dois mandatos Gustinho Ribeiro, pré-candidato a deputado federal. É neto do ex-prefeito e do ex-deputado estadual de diversos mandatos Rozendo Ribeiro, além de sobrinho de José Raimundo Ribeiro, o Cabo Zé, identicamente ex-prefeito e ex-deputado estadual.
Já em Itabaiana, o sobrenome que predomina é o Mendonça, que começou com Francisco Teles de Mendonça, o Chico de Miguel, pai, e os José Teles de Mendonça, ex-deputados estadual e federal. Chico de Miguel é pai, ainda, de Maria Mendonça, que hoje é deputada estadual. A irmã dela, Carminha Mendonça, é a vice-prefeita da cidade.
O prefeito Valmir de Francisquinho, tenta emplacar o filho, Talysson Costa. Em Itaporanga D’Ajuda, quem dá as cartas são os Sobral Garcez. Antônio Francisco Sobral Garcez, hoje morto, fez Gracinha, a filha, prefeita, e de Júnior, o filho, vereador.
Já em Itabaiana, o sobrenome que predomina é o Mendonça, que começou com Francisco Teles de Mendonça, o Chico de Miguel, pai, e os José Teles de Mendonça, ex-deputados estadual e federal. Chico de Miguel é pai, ainda, de Maria Mendonça, que hoje é deputada estadual. A irmã dela, Carminha Mendonça, é a vice-prefeita da cidade.
O prefeito Valmir de Francisquinho, tenta emplacar o filho, Talysson Costa. Em Itaporanga D’Ajuda, quem dá as cartas são os Sobral Garcez. Antônio Francisco Sobral Garcez, hoje morto, fez Gracinha, a filha, prefeita, e de Júnior, o filho, vereador.
Eduardo Macêdo: “Isso acontece desde a colonização do país”
Sobrenomes de peso – E voto
O caso dos Franco, com Augusto Franco, é sobejo: numa única eleição, a de 1982, eles elegeram um senador – Albano – um federal – Augusto, o pai – e um estadual – Walter. No passado, Walter Franco, irmão de Augusto, também foi senador.
Os Franco deram, ainda, Antônio Carlos Franco como deputado federal e prefeito de Laranjeiras e o filho dele, Marcos Franco, como estadual, tendo sido o mais votado na década de 90. Já Ulisses Andrade deixou a política em 2010, passando o mandato para o filho, Jeferson Andrade, que vai no exercício do segundo mandato de deputado.
Os Mitidieri, com Fábio, o filho, federal, e o pai, Luiz, estadual, também fizeram história. Atualmente, com a provável aposentadoria de Luiz, a filha, Maísa, já vem sendo cotada para sucedê-lo. Angélica Guimarães deixou a política depois de cinco mandatos de estadual, botou o marido, Vanderbal Marinho, em cena e ele já fala em reeleição no ano que vem.
O senador Antônio Carlos Valadares, PSB, arrasta o herdeiro, Valadares Filho, há três mandatos de federal. Carlos Magno era prefeito de Estância e tinha um filho, Tito Magno, vereador. Antes, numa outra vez, foi deputado estadual e a mulher, Deise Garcia, virou prefeita. Em Malhador, Elayne de Dedé herdou a Prefeitura do pai, Dedé do Inhame, que foi prefeito por diversas vezes.
A família Alves, de João Alves Filho e Maria do Carmo, ex-governador e senadora, não parece se bastar nestes dois vínculos. Está sendo anunciada a candidatura da jornalista Ana Maria Alves, filha dos dois, a deputada federal para o ano que vem. É como se a roda familiar tivesse que girar.
Herança Política
O deputado estadual Georgeo Passos também se elegeu com a força do nome. O pai dele, Antônio Passos, hoje é prefeito de Ribeirópolis e também já passou pela Assembleia Legislativa, onde seu pai, Chico Passos obteve cinco mandatos.
André Moura, ex-prefeito de Pirambu e atual deputado federal, tratou de colocar a esposa, Lara Moura, prefeita de Japaratuba, na política, cuja herdou de espaço ele levou do pai, Reinaldo Moura. O próprio governador Jackson Barreto, que, não tendo filhos, tentou eleger deputado estadual o irmão, Jugurta Barreto, de quem sempre foi muito próximo. Não deu.
Esses exemplos mostram como alguns políticos de Sergipe compreendem a política como uma espécie de carreira profissional familiar, o que, para o advogado Eduardo Macêdo, professor de Direito Constitucional e Direito Eleitoral, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutorando em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é perceptível não apenas no Brasil, mas em países da América Latina e América do Sul de forma geral.
“No Brasil e em Sergipe, é nítida essa situação que se espraia no Legislativo e no Executivo, seja estadual ou municipal. Isso acontece desde a colonização do país e tem origem nas oligarquias, em que o poder era exercido por um pequeno grupo de pessoas que pertenciam à mesma família”, explica o professor Eduardo Macêdo.
O caso dos Franco, com Augusto Franco, é sobejo: numa única eleição, a de 1982, eles elegeram um senador – Albano – um federal – Augusto, o pai – e um estadual – Walter. No passado, Walter Franco, irmão de Augusto, também foi senador.
Os Franco deram, ainda, Antônio Carlos Franco como deputado federal e prefeito de Laranjeiras e o filho dele, Marcos Franco, como estadual, tendo sido o mais votado na década de 90. Já Ulisses Andrade deixou a política em 2010, passando o mandato para o filho, Jeferson Andrade, que vai no exercício do segundo mandato de deputado.
Os Mitidieri, com Fábio, o filho, federal, e o pai, Luiz, estadual, também fizeram história. Atualmente, com a provável aposentadoria de Luiz, a filha, Maísa, já vem sendo cotada para sucedê-lo. Angélica Guimarães deixou a política depois de cinco mandatos de estadual, botou o marido, Vanderbal Marinho, em cena e ele já fala em reeleição no ano que vem.
O senador Antônio Carlos Valadares, PSB, arrasta o herdeiro, Valadares Filho, há três mandatos de federal. Carlos Magno era prefeito de Estância e tinha um filho, Tito Magno, vereador. Antes, numa outra vez, foi deputado estadual e a mulher, Deise Garcia, virou prefeita. Em Malhador, Elayne de Dedé herdou a Prefeitura do pai, Dedé do Inhame, que foi prefeito por diversas vezes.
A família Alves, de João Alves Filho e Maria do Carmo, ex-governador e senadora, não parece se bastar nestes dois vínculos. Está sendo anunciada a candidatura da jornalista Ana Maria Alves, filha dos dois, a deputada federal para o ano que vem. É como se a roda familiar tivesse que girar.
Herança Política
O deputado estadual Georgeo Passos também se elegeu com a força do nome. O pai dele, Antônio Passos, hoje é prefeito de Ribeirópolis e também já passou pela Assembleia Legislativa, onde seu pai, Chico Passos obteve cinco mandatos.
André Moura, ex-prefeito de Pirambu e atual deputado federal, tratou de colocar a esposa, Lara Moura, prefeita de Japaratuba, na política, cuja herdou de espaço ele levou do pai, Reinaldo Moura. O próprio governador Jackson Barreto, que, não tendo filhos, tentou eleger deputado estadual o irmão, Jugurta Barreto, de quem sempre foi muito próximo. Não deu.
Esses exemplos mostram como alguns políticos de Sergipe compreendem a política como uma espécie de carreira profissional familiar, o que, para o advogado Eduardo Macêdo, professor de Direito Constitucional e Direito Eleitoral, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutorando em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é perceptível não apenas no Brasil, mas em países da América Latina e América do Sul de forma geral.
“No Brasil e em Sergipe, é nítida essa situação que se espraia no Legislativo e no Executivo, seja estadual ou municipal. Isso acontece desde a colonização do país e tem origem nas oligarquias, em que o poder era exercido por um pequeno grupo de pessoas que pertenciam à mesma família”, explica o professor Eduardo Macêdo.
Passado que se impôe
De fato, a tradição de costumes como fator histórico e cultural está arraigada na sociedade. Afinal, o Brasil foi construído sob um regime escravocrata e servil, que, com o decorrer dos séculos, foi preservado de forma velada, dificultando aos pobres, aos negros, aos índios e à população minoritária o acesso à educação, ao salário justo e aos meios de produção, como explica o professor.
“Nessa luta diária da sobrevivência, em que falta tudo, essas categorias sociais continuam a lutar, mas não no sentido amplo, para concretizar seus direitos. Com isso, não há debate político que propicie o amadurecimento político suficiente para uma verdadeira revolução no agir e no pensar da política partidária”, justifica.
Dessa forma, segundo Eduardo, sem demérito algum aos governantes que foram eleitos e que têm origem familiar na política, o prejuízo dessa perpetuação resulta justamente na total ausência de alternância do poder.
Velho novo X Novo velho
Havendo, portanto, uma frustração de expectativas. “Nos resta a indagação: será que se fosse uma pessoa nova, sem vínculos familiares ou de grupamentos, não seria melhor?”, questiona. Outra questão que se impõe nesse cenário é se o bem público perde ou ganha com esta apropriação familiar.
“O histórico da política ruim, ou seja, daqueles que prestam um desserviço ao país, tem sido desnudado a cada dia com essas notícias nefastas, mostrando que a apropriação da Res pública, ou seja, da coisa pública, tem ocorrido independentemente de vinculo familiar”, pondera Eduardo.
Que continua: “pessoas novas na política, até mesmo em primeiro mandato, já se contaminam “pelo poder” e não compreendem a grandeza da sua função como agente política que tem por dever e obrigação zelar e aplicar corretamente os recursos públicos. Repito sempre que o mandato político é um sacerdócio e uma vocação. Há um grave equívoco daqueles que entendem que o exercício do manto político é meio de enriquecer”, opina.
Mas esse familiarismo não faculta a corrupção? O professor acredita que o grau de parentesco para concorrer nas eleições e se eleito exercer o mandato político não pode, por si só, ser motivo para facilitar ou propiciar a corrupção. “Ela é endêmica e ocorre no mundo todo, desde os primórdios da civilização, em maior ou menor grau”, diz ele.
De fato, a tradição de costumes como fator histórico e cultural está arraigada na sociedade. Afinal, o Brasil foi construído sob um regime escravocrata e servil, que, com o decorrer dos séculos, foi preservado de forma velada, dificultando aos pobres, aos negros, aos índios e à população minoritária o acesso à educação, ao salário justo e aos meios de produção, como explica o professor.
“Nessa luta diária da sobrevivência, em que falta tudo, essas categorias sociais continuam a lutar, mas não no sentido amplo, para concretizar seus direitos. Com isso, não há debate político que propicie o amadurecimento político suficiente para uma verdadeira revolução no agir e no pensar da política partidária”, justifica.
Dessa forma, segundo Eduardo, sem demérito algum aos governantes que foram eleitos e que têm origem familiar na política, o prejuízo dessa perpetuação resulta justamente na total ausência de alternância do poder.
Velho novo X Novo velho
Havendo, portanto, uma frustração de expectativas. “Nos resta a indagação: será que se fosse uma pessoa nova, sem vínculos familiares ou de grupamentos, não seria melhor?”, questiona. Outra questão que se impõe nesse cenário é se o bem público perde ou ganha com esta apropriação familiar.
“O histórico da política ruim, ou seja, daqueles que prestam um desserviço ao país, tem sido desnudado a cada dia com essas notícias nefastas, mostrando que a apropriação da Res pública, ou seja, da coisa pública, tem ocorrido independentemente de vinculo familiar”, pondera Eduardo.
Que continua: “pessoas novas na política, até mesmo em primeiro mandato, já se contaminam “pelo poder” e não compreendem a grandeza da sua função como agente política que tem por dever e obrigação zelar e aplicar corretamente os recursos públicos. Repito sempre que o mandato político é um sacerdócio e uma vocação. Há um grave equívoco daqueles que entendem que o exercício do manto político é meio de enriquecer”, opina.
Mas esse familiarismo não faculta a corrupção? O professor acredita que o grau de parentesco para concorrer nas eleições e se eleito exercer o mandato político não pode, por si só, ser motivo para facilitar ou propiciar a corrupção. “Ela é endêmica e ocorre no mundo todo, desde os primórdios da civilização, em maior ou menor grau”, diz ele.
Nepotismo, a consequência
Outra questão que se apresenta quando o contexto é a predominância de determinadas famílias no poder é o nepotismo, que se configura pela contratação de parentes para o serviço público e faz todo o sentido quando o objetivo é promover a sucessão familiar. E, embora haja expressa vedação ao nepotismo, na prática essa proibição não vem sendo respeitada.
“Sem sombra de dúvidas, a primazia dos laços familiares continua se sobrepondo ao interesse público, o que fortalece ainda a manutenção no poder”, confirma Eduardo Macêdo. O professor não acredita na falta de opção como um facilitador para esse continuísmo. Na verdade, ele diz que está mais para “analfabetismo político”. “Não a política partidária, mas a política enquanto sinônimo de cidadania”, define.
Isso porque, para ele, analisando os nomes e candidatos que se apresentaram, por exemplo, no último pleito eleitoral, seja para majoritário ou proporcional, não é preciso nenhum esforço para identificar candidatos estreantes, inclusive pessoas com histórico de prestação de serviços à sociedade, seja como empresário, seja como professor, ou outra atividade comunitária.
Era mandonismo
“Entretanto o eleitor não compreende a grandeza do ato daqueles que se habilitam e colocam o seu nome para escolha no voto. Penso que a comodidade e a falta de compreensão do que a mesmice representa, de que não permite o despertar de uma consciência cidadã e via de consequência a vontade de apostar que o seu voto, pode fazer a diferença”, ressalta.
O sociólogo Marcelo Ennes, que é pós-doutor na área, também afirma que essa prática do continuísmo é um tema central na política de forma geral, mas que, no Brasil, ganha alguns contornos próprios. “Em outros países, há uma tendência de distanciamento entre as famílias e o Estado, porque o Estado moderno vai se baseando nas lei e normas, que são universais dentro do país. No Brasil, aconteceu um processo característico de sobreposição do Estado e da família às leis, processo que o autor Sérgio Buarque de Hollanda define como um dos traços da política brasileira”, analisa Marcelo Ennes.
Segundo ele, essa sobreposição é o que vai dar origem ao mandonismo, que substitui as relações baseadas na lei, na universalidade e racionalidade pelos princípios do afeto, das trocas de favores, e porque não dizer, dos laços sanguíneos. “Em Sergipe, isso é muito forte, sim. Mas não só aqui. Eu, por exemplo, venho de uma cidade pequena do interior de São Paulo, e desde que virou município, há uns 30 anos, a Prefeitura está nas mãos da mesma família. Isso é típico da cultura política brasileira”, reforça.
Outra questão que se apresenta quando o contexto é a predominância de determinadas famílias no poder é o nepotismo, que se configura pela contratação de parentes para o serviço público e faz todo o sentido quando o objetivo é promover a sucessão familiar. E, embora haja expressa vedação ao nepotismo, na prática essa proibição não vem sendo respeitada.
“Sem sombra de dúvidas, a primazia dos laços familiares continua se sobrepondo ao interesse público, o que fortalece ainda a manutenção no poder”, confirma Eduardo Macêdo. O professor não acredita na falta de opção como um facilitador para esse continuísmo. Na verdade, ele diz que está mais para “analfabetismo político”. “Não a política partidária, mas a política enquanto sinônimo de cidadania”, define.
Isso porque, para ele, analisando os nomes e candidatos que se apresentaram, por exemplo, no último pleito eleitoral, seja para majoritário ou proporcional, não é preciso nenhum esforço para identificar candidatos estreantes, inclusive pessoas com histórico de prestação de serviços à sociedade, seja como empresário, seja como professor, ou outra atividade comunitária.
Era mandonismo
“Entretanto o eleitor não compreende a grandeza do ato daqueles que se habilitam e colocam o seu nome para escolha no voto. Penso que a comodidade e a falta de compreensão do que a mesmice representa, de que não permite o despertar de uma consciência cidadã e via de consequência a vontade de apostar que o seu voto, pode fazer a diferença”, ressalta.
O sociólogo Marcelo Ennes, que é pós-doutor na área, também afirma que essa prática do continuísmo é um tema central na política de forma geral, mas que, no Brasil, ganha alguns contornos próprios. “Em outros países, há uma tendência de distanciamento entre as famílias e o Estado, porque o Estado moderno vai se baseando nas lei e normas, que são universais dentro do país. No Brasil, aconteceu um processo característico de sobreposição do Estado e da família às leis, processo que o autor Sérgio Buarque de Hollanda define como um dos traços da política brasileira”, analisa Marcelo Ennes.
Segundo ele, essa sobreposição é o que vai dar origem ao mandonismo, que substitui as relações baseadas na lei, na universalidade e racionalidade pelos princípios do afeto, das trocas de favores, e porque não dizer, dos laços sanguíneos. “Em Sergipe, isso é muito forte, sim. Mas não só aqui. Eu, por exemplo, venho de uma cidade pequena do interior de São Paulo, e desde que virou município, há uns 30 anos, a Prefeitura está nas mãos da mesma família. Isso é típico da cultura política brasileira”, reforça.
Público X Particular
De acordo com ele, obviamente essa prática do mandonismo não ocorre só na política, mas também nos negócios. No entanto, na política é mais devastadora por se tratar da coisa pública – e não da particular, como nos negócios empresariais.
“Esse perfil é um terreno no qual a corrupção prospera, germina e floresce com muita força”, admite. Mas não era pra ser assim, já que, para Marcelo, o Brasil é um país que tem uma estrutura política, administrativa e normativa muito desenvolvida.
“Temos Estatuto da Criança, do Idoso. Temos o Tribunal de Contas da União, que é nosso quarto poder e fiscaliza de maneira detalhada o serviço público. Como podemos ter uma corrupção tão forte num país tão bem aparelhado legalmente? E aí você vê a importância das relações familiares, que burlam esse sistema”, esclarece.
Enquanto isso, quem vai sofrendo é o povo, como bem coloca o deputado estadual Moritos Matos, Pros, que está em seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, depois de ter tido dois mandatos de vereador, sem ter qualquer tradição política na família, e pretende parar por aí. “Vejo que quando o poder passa de família para família, criando uma hegemonia para se manter no poder, os interesses do povo ficam de lado”, atesta Moritos.
“Política é missão”
Questionado pelo JLPolítica sobre se a falta de tradição política o prejudicou perante os adversários de eleição, ele garante que sim. “Não tenho parente na política, não tenho tradição e não pretendo colocar nenhum dos meus filhos. Acho que meus filhos devem seguir suas próprias vidas, suas profissões. Entendo política como missão. Acredito nisso. Então, assim que terminar, volto para minha vida comum, de cidadão”, afirma.
O deputado Moritos Matos assegura que só disputará a reeleição e para, como fez com os mandatos de vereador. “Há um jogo muito grande nos bastidores para que essas pessoas se mantenham no poder. Vão se perpetuando, vão passando de pai pra filho, pro neto, e o essencial, que é a população, sofre. De certa forma, isso atrasa o Estado. Se eu for e preocupar em colocar meu filho, vou agir de forma diferente da que ajo hoje, porque vou agir em prol dos meus interesses e não do interesse principal, que é o da população”, argumenta Moritos.
Mas como mudar esse ciclo vicioso? Há como? Os sociólogos são unânimes em dizer que a solução está no povo. “A mudança tem que vir dos cidadãos, de baixo. É aquela lógica do consumidor de que se não gosta, não consome. O eleitor tem que sinalizar que está descontente, falando, participando, não se omitindo, procurando se inteirar da política, que apesar de difícil, é necessária. A vida em sociedade depende da política, por isso temos que qualificá-la, provocar uma mudança”, sugere o professor Marcelo Ennes.
Mudança vem do eleitor
De acordo com ele, trata-se de um problema complexo que, na verdade, exige várias soluções, que passam pelo esclarecimento e qualificação como cidadão, como pessoa e, óbvio, como eleitor. Eduardo Macêdo concorda. “Temos que continuar tentando. Não nos resta outra alternativa. Independentemente de propostas de reforma política, que em verdade nada pretendem reformar e sim possibilitar que não haja alternância e tão pouco a ampliação do acesso a novos cidadãos aos cargos políticos. Apenas o aperfeiçoamento do grau de consciência e educação política poderá modificar, embora lentamente, o quadro atual dos ocupantes dos cargos do Legislativo e do Executivo”, presume.
Para o historiador Valter Albano, o caminho é mesmo esse. “Temos muitos jovens talentos nas academias. O que tem acontecido é um prejuízo intelectual, pois a inteligência não está só nessas famílias. A democracia é dinâmica. A alternância de poder oxigena a sociedade, partindo desse princípio, essas dinastias hereditárias tratam a política como mordaça, como uma camisa de força, limitando a sociedade a essa elite”, opina Valter.
Ele acrescenta que a juventude tem papel importante nisso. “Se a gente não ousar perante a juventude, vai ousar com quem? A juventude é a renovação”, diz. Em tempo, o JLPolítica não ouviu as famílias citadas nem as demais que estão envolvidas na política sergipana, porque, como nossos entrevistados disseram, trata-se de uma prática geral – e irrestrita – tornando, portanto, a entrevista a todos eles humanamente impossível, já que a cada dia surgem novos candidatos e, ao que parece, com o grande desejo de mudar. De mudar a vida dele e a da família também.
De acordo com ele, trata-se de um problema complexo que, na verdade, exige várias soluções, que passam pelo esclarecimento e qualificação como cidadão, como pessoa e, óbvio, como eleitor. Eduardo Macêdo concorda. “Temos que continuar tentando. Não nos resta outra alternativa. Independentemente de propostas de reforma política, que em verdade nada pretendem reformar e sim possibilitar que não haja alternância e tão pouco a ampliação do acesso a novos cidadãos aos cargos políticos. Apenas o aperfeiçoamento do grau de consciência e educação política poderá modificar, embora lentamente, o quadro atual dos ocupantes dos cargos do Legislativo e do Executivo”, presume.
Para o historiador Valter Albano, o caminho é mesmo esse. “Temos muitos jovens talentos nas academias. O que tem acontecido é um prejuízo intelectual, pois a inteligência não está só nessas famílias. A democracia é dinâmica. A alternância de poder oxigena a sociedade, partindo desse princípio, essas dinastias hereditárias tratam a política como mordaça, como uma camisa de força, limitando a sociedade a essa elite”, opina Valter.
Ele acrescenta que a juventude tem papel importante nisso. “Se a gente não ousar perante a juventude, vai ousar com quem? A juventude é a renovação”, diz. Em tempo, o JLPolítica não ouviu as famílias citadas nem as demais que estão envolvidas na política sergipana, porque, como nossos entrevistados disseram, trata-se de uma prática geral – e irrestrita – tornando, portanto, a entrevista a todos eles humanamente impossível, já que a cada dia surgem novos candidatos e, ao que parece, com o grande desejo de mudar. De mudar a vida dele e a da família também.
Os Franco desta feita tem apenas a suplência de senador, de Ricardo Franco (último a esquerda)
terça-feira, 20 de junho de 2017
quinta-feira, 8 de junho de 2017
ESCOLA ESTADUAL JÚLIA TELES. PORQUE TANTO ABANDONO E DESCASO?
No mês
de agosto de 2013, a Escola Júlia Teles
foi incendiada, essa ação representou a culminância de uma sequência de
furtos, resultado da ausência de pessoal
na área da segurança patrimonial, assim como o abandono a que a escola é vitima
desde mais de uma década.
Entretanto,
já que não tem um mal que não traga um
bem, conforme afirma o ditado
popular, o incêndio possibilitou pela
primeira vez em muito tempo, a presença de representantes da secretaria da educação na escola, para
ouvir as necessidades e os anseios da comunidade, após a ida de uma
comissão formada por um grupo de
15 pessoas ao gabinete do secretário.
Essa
comissão foi composta com representação de professores, alunos e pais, os quais
contaram com o apoio logístico do
mandato da Dep. Ana Lúcia.
Nestas reuniões,
foram assumidos alguns compromissos que foram registrados em ata e relatório.
No entanto, as realizações até o momento, decorridos quatro anos, foram
emergenciais/parciais e o principal - a reforma da escola e o preenchimento completo
do quadro de professores e funcionários -
aguarda a sensibilidade e a boa vontade do governador Jackson Barreto e do
professor Jorge Carvalho, secretário da
educação.
Isso
tem trazido como consequência, a necessidade de estar fazendo os mesmos
serviços após algum tempo, porque trata-se de ações paliativas ou incompletas e
que colaboram para a não superação do quadro de precariedade e insegurança.
No
campo do preenchimento de cargos é preciso encerrar o passivo, o que esteve
mais distante.
É uma
situação similar a do paciente que está sempre se tratando no serviço médico de
emergência, sem lançar mão da necessidade de realizar a consulta e tratamento
com especialistas.
Entre
outras palavras, a doença crônica permanece e avança sobre outras áreas ou
dimensões. No caso da escola, com reflexos na disciplina e situações latentes e
reais de violência.
A
organização sistematizada dos compromissos abaixo, foi possível graças a uma relatório
e uma
ata, elaborados respectivamente pelos professores Lélia Maria da Silva Siqueira e José de
Oliveira Santos “Zezito de Oliveira”. O primeiro
de 19 de julho de 2013 e a segunda de 08
de agosto de 2013.
Compromissos cumpridos:
Inicio de uma obra de
pequena monta, o que quer dizer, serviço de obra emergencial que faz reparos,
consertos e pequenas construções ligadas ao
telhado, eletricidade, pintura, muro e parte
hidráulica.
Retirada total das mesas e bancos de alvenaria do
refeitório, substituindo por mesas e cadeiras de plástico, permitindo a
utilização do espaço do refeitório para aulas,
atividades culturais e eventos sociais.
Contratação de uma
empresa terceirizada de segurança.
Contratação de uma
empresa para instalar o serviço de monitoramento interno por meio de câmaras
eletrônicas. Compromisso cumprido no segundo semestre de 2016.
Compromissos cumpridos de forma
parcial:
Lotação de
mais professores, técnicos especialistas
e funcionários para os serviços de
apoio. Esta demanda foi cumprida, porém de forma incompleta.
Construção
de um muro gradeado na frente da escola. Realizado de forma parcial, porque a
demanda apresentada foi na extensão do muro de toda a escola.
Compromissos não cumpridos:
A presença do programa
Cidadania nas Escola. A equipe esteve na escola somente uma vez.
Doação de uma parte do terreno excedente da escola
para a secretaria da segurança, prefeitura e etc. para contribuir com a
segurança, educação, assistência social ou cultura, através da construção de
equipamentos que possam servir a população. Houve sugestão para ser
construído um parque infantil e/ou uma
brinquedoteca para as crianças menores, assim como um auditório para
apresentações artísticas, reuniões, festas de família e etc.. Para suprir a
falta que faz o auditório existente no
antigo CAIC, bastante requisitado pela comunidade.
Construção
de uma nova quadra de esporte. Tendo sido esta interditada e demolida
por medida de segurança.
E o principal: O serviço de
reforma estrutural da escola, conforme prometeu o Secretário Belivaldo Chagas
em 06/08/2013. Cf. http:// www.seed.se.gov.br/portaldoaluno/noticia.asp?cdnoticia=7583. “ Belivaldo
Chagas garantiu ainda ao grupo que, paralelamente à reforma emergencial, os
engenheiros da SEED estão preparando um projeto para reforma geral e ampliação
da escola. "Já investimos R$ 16 milhões em reforma e ampliação das escolas
de Socorro. Esse valor chegará a R$ 29 milhões com a construção de uma escola
de ensino médio com seis salas de aula. O prédio será construído no conjunto
Jardim, mesmo local em que está instalada a Escola Júlia Teles.”
terça-feira, 16 de maio de 2017
Estudo pioneiro confirma grave poluição no rio Poxim
Um dos rios que embelezam Aracaju está sendo vítima da própria
cidade. A poluição do rio Poxim, que também é fonte de sustento de
famílias de pescadores, é bastante conhecida e já foi alvo de diversos
estudos. Agora, um experimento pioneiro desenvolvido no Laboratório de
Estudos Ecotoxicológicos da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
confirmou os impactos degradantes sofridos pelo rio, através de um teste
que verifica a contaminação da água de acordo com o nível de
sobrevivência de um microcrustáceo.
Os misidáceos - como são conhecidos os indivíduos da espécie Mysidopsis juniae - são pequenos crustáceos parecidos com o camarão. São organismos muito sensíveis e sua utilização para esse tipo de experiência, em águas salinas e salobras, é a única regulamentada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em Sergipe, o Laboratório de Estudos Ecotoxicológicos é o primeiro a utilizar a espécie para testes em águas salinas ou salobras, que são, respectivamente, as do mar e as dos estuários - estes são a parte de um rio ou o conjunto de rios (bacia hidrográfica) na desembocadura com o mar; todo o trecho do rio Poxim que percorre Aracaju é de águas estuarinas.
O experimento com misidáceos foi o primeiro realizado no estuário do rio Poxim e rendeu aos pesquisadores uma premiação no X Encontro de Recursos Hídricos em Sergipe (Enrehse), realizado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) no último mês de março. A pesquisa foi desenvolvida pelos estudantes Anderson Alex Oliveira dos Santos e Meggie Karoline Silva Nascimento e supervisionada pela professora do Departamento de Ecologia Jeamylle Nilin. A professora é a responsável pelo laboratório e orientou Anderson em seu trabalho de conclusão do curso de Ecologia, inaugurando a pesquisa com misidáceos no rio Poxim, com a colaboração de Meggie, também estudante do curso.
Segundo Jeamylle, desde o final de 2013 o laboratório dispõe de um cultivo de misidáceos para suas análises. “As primeiras espécies foram adquiridas de outro laboratório e, a partir de então, a população se mantém através da reprodução”, explica. “Os misidáceos se alimentam de outro microcrustáceo, a Artemia sp, também cultivado no laboratório”, detalha Jeamylle.
A análise realizada pela equipe consiste em coletar água do rio em pontos distintos. Essa amostra é então distribuída em três recipientes (béqueres), nos quais, em cada um, são colocados 10 indivíduos dos misidáceos, vivos, juvenis com idade de 1 a 7 dias. Os cientistas então avaliam a qualidade da água de acordo com o índice de sobrevivência dos misidáceos, comparando-o ao controle, que é outro recipiente contendo outros 10 indivíduos, porém em água “limpa” - salgada artificialmente (ver infográfico).
No estudo das águas do rio Poxim, foram realizadas 6 coletas – em agosto, outubro e dezembro de 2014; e em fevereiro, abril e julho de 2015 -, em três pontos da cidade de Aracaju: na ponte Gilberto Vila Nova de Carvalho, bairro Inácio Barbosa; no píer do Parque dos Cajueiros; e na ponte Godofredo Diniz, que liga os bairros 13 de Julho e Coroa do Meio.
“Os locais foram selecionados por abrangerem o estuário do rio Poxim, na área habitacional de Aracaju”, esclarece Anderson Santos. “A escolha foi também de acordo com o método de coleta, a partir de pontes ou píer, porque coletar nas margens pode interferir nas amostras, por causa dos sedimentos”, completa.
Resultados
A pesquisa de Jeamylle e seus alunos confirmou o que outros métodos já indicavam: a baixa qualidade ambiental das águas do rio Poxim. As pesquisas apontam para toxidade aguda nas amostras coletadas nos meses de agosto/2014 e fevereiro/2015, na ponte do Inácio Barbosa e no Parque dos Cajueiros. Já em dezembro/2014, a toxidade aguda foi verificada nas amostras de todos os pontos coletados.
Os resultados mostram que a contaminação das águas diminui no período chuvoso e aumenta no período de estiagem. Jeamylle Nilin explica esse efeito. “Isso acontece porque o Poxim recebe muito esgoto, sem tratamento”, alerta a professora. “O esgoto, principalmente o doméstico, é um dos principais causadores da baixa qualidade do rio”, analisa.
Isso mostra porque os resultados das amostras coletadas no bairro Inácio Barbosa indicam maior contaminação: a região é a de maior densidade habitacional nas margens do Poxim. Nesse trecho, as águas do rio já vêm trazendo também a poluição recebida nos bairros Jabutiana e Santa Lúcia, área em processo avançado de expansão imobiliária. Ironicamente, a vegetação ciliar do Poxim vem dando lugar a condomínios com nomes ligados à natureza: Flores, Verde, Bosque, Serras, Fontes.
Além da poluição produzida pela urbanização em suas margens, os rios que cortam Aracaju recebem ainda as águas contaminadas de mais de 70 canais que fazem a macrodrenagem da cidade. Análises microbiológicas e físico-químicas mostram que o Poxim apresenta índices de nitrogênio amoniacal e amônia não ionizada acima do permitido pela resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), nas amostras das três coletas, em todos os meses - com exceção, apenas, dos meses de outubro de 2014 e abril de 2015, na ponte do bairro 13 de Julho, já próximo ao rio Sergipe e ao mar.
“Na verdade, os canais daqui são riachos que foram modificados e transformados para fazer a macrodrenagem”, alerta Jeamylle, “esse é o grande problema, porque o humano ocupou muito a região costeira e transformou rios e riachos em canais de esgoto”.
Segundo dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS) de 2014, apenas 36,5% dos domicílios de Aracaju tinham coleta e tratamento de esgoto. “Então esse é um ponto muito importante, que reforça a necessidade de implementação de políticas públicas para o saneamento básico: ainda temos um grande caminho a percorrer”, destaca Jeamylle. A professora ressalta as consequências da falta de cuidados com a hidrografia de Aracaju. “O esgoto, uma vez que vai pro rio, vai para o mar, e isso afeta tanto do ponto de vista ecológico, quanto turístico e social”, assinala.
Nesse aspecto, a estudante Meggie Nascimento salienta a relevância da premiação concedida à pesquisa pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. “Além da satisfação pela conquista, foi importante porque apresentamos esses resultados em um evento onde estavam presentes muitos gestores públicos”, analisa.
Pesquisa e premiação
O Laboratório de Estudos Toxicológicos foi instalado em 2013 e ficou sob responsabilidade da professora Jeamylle Nilin, que ingressara naquele ano no Departamento de Ecologia da UFS. A partir daí, a doutora em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará formou equipes de estudantes para pesquisar a ecotoxicologia em águas salinas e salobras. Anderson Santos e Meggie Nascimento faziam parte dessas pesquisas e as utilizaram nos seus trabalhos de conclusão de curso.
Enquanto Meggie focou seus estudos na linha voltada aos compostos químicos, Anderson trabalhou com as amostras ambientais, área que envolve a pesquisa com os misidáceos no rio Poxim. “No entanto”, detalha Meggie, “o trabalho no laboratório é coletivo, dessa forma todos contribuem com as pesquisas dos colegas”. A estudante apresentou os resultados no Enrehse porque, quando este foi realizado, Anderson já havia concluído a graduação, enquanto Meggie estava cursando o mestrado em Ecologia. “E também porque, como colaborei na pesquisa, conhecia os dados e os resultados”, destaca.
“O prêmio serviu também para dar visibilidade ao curso de Ecologia, que é relativamente novo”, acrescenta Anderson (o curso foi criado em 2010). “Demonstra também a preocupação em dar um retorno à sociedade, mostrando o impacto que o ser humano pode causar no seu próprio ecossistema: o Poxim, um rio urbano completamente poluído, sem saneamento”, pontua.
Jeamylle explica que a relação entre a população e o meio ambiente tem mudado com o tempo. “Por muito tempo se percebia que o pensamento que prevalecia era o de ‘poluir, porque a natureza vai diluir’”, resume. “Nas últimas décadas, entretanto, consideramos um novo paradigma, o do ‘bumerangue’, ou seja, a compreensão de que tudo o que fazemos contra o meio ambiente acaba voltando contra nós”, ilustra a docente.
Apesar de essa nova perspectiva estar mais difundida, Jeamylle analisa que a situação ainda se encontra distante do ideal. “As interferências no meio ambiente e seus impactos são enormes, enquanto eliminá-las completamente é muito difícil de acontecer”, reflete. A pesquisadora esclarece que o meio ambiente tem uma capacidade regenerativa, ou seja, até se recuperaria se a poluição cessasse. Como essa possibilidade é remota, o ideal é que haja uma convivência sustentável entre a cidade e o ambiente. “Precisamos auxiliar o rio a melhorar, a se regenerar, através de técnicas de limpeza, tratamento da água. E, claro, quanto menos interferência, melhor”, conclui.
Marcilio Costa
comunica@ufs.br
Os misidáceos - como são conhecidos os indivíduos da espécie Mysidopsis juniae - são pequenos crustáceos parecidos com o camarão. São organismos muito sensíveis e sua utilização para esse tipo de experiência, em águas salinas e salobras, é a única regulamentada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em Sergipe, o Laboratório de Estudos Ecotoxicológicos é o primeiro a utilizar a espécie para testes em águas salinas ou salobras, que são, respectivamente, as do mar e as dos estuários - estes são a parte de um rio ou o conjunto de rios (bacia hidrográfica) na desembocadura com o mar; todo o trecho do rio Poxim que percorre Aracaju é de águas estuarinas.
O experimento com misidáceos foi o primeiro realizado no estuário do rio Poxim e rendeu aos pesquisadores uma premiação no X Encontro de Recursos Hídricos em Sergipe (Enrehse), realizado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) no último mês de março. A pesquisa foi desenvolvida pelos estudantes Anderson Alex Oliveira dos Santos e Meggie Karoline Silva Nascimento e supervisionada pela professora do Departamento de Ecologia Jeamylle Nilin. A professora é a responsável pelo laboratório e orientou Anderson em seu trabalho de conclusão do curso de Ecologia, inaugurando a pesquisa com misidáceos no rio Poxim, com a colaboração de Meggie, também estudante do curso.
Segundo Jeamylle, desde o final de 2013 o laboratório dispõe de um cultivo de misidáceos para suas análises. “As primeiras espécies foram adquiridas de outro laboratório e, a partir de então, a população se mantém através da reprodução”, explica. “Os misidáceos se alimentam de outro microcrustáceo, a Artemia sp, também cultivado no laboratório”, detalha Jeamylle.
A análise realizada pela equipe consiste em coletar água do rio em pontos distintos. Essa amostra é então distribuída em três recipientes (béqueres), nos quais, em cada um, são colocados 10 indivíduos dos misidáceos, vivos, juvenis com idade de 1 a 7 dias. Os cientistas então avaliam a qualidade da água de acordo com o índice de sobrevivência dos misidáceos, comparando-o ao controle, que é outro recipiente contendo outros 10 indivíduos, porém em água “limpa” - salgada artificialmente (ver infográfico).
No estudo das águas do rio Poxim, foram realizadas 6 coletas – em agosto, outubro e dezembro de 2014; e em fevereiro, abril e julho de 2015 -, em três pontos da cidade de Aracaju: na ponte Gilberto Vila Nova de Carvalho, bairro Inácio Barbosa; no píer do Parque dos Cajueiros; e na ponte Godofredo Diniz, que liga os bairros 13 de Julho e Coroa do Meio.
“Os locais foram selecionados por abrangerem o estuário do rio Poxim, na área habitacional de Aracaju”, esclarece Anderson Santos. “A escolha foi também de acordo com o método de coleta, a partir de pontes ou píer, porque coletar nas margens pode interferir nas amostras, por causa dos sedimentos”, completa.
Resultados
A pesquisa de Jeamylle e seus alunos confirmou o que outros métodos já indicavam: a baixa qualidade ambiental das águas do rio Poxim. As pesquisas apontam para toxidade aguda nas amostras coletadas nos meses de agosto/2014 e fevereiro/2015, na ponte do Inácio Barbosa e no Parque dos Cajueiros. Já em dezembro/2014, a toxidade aguda foi verificada nas amostras de todos os pontos coletados.
Os resultados mostram que a contaminação das águas diminui no período chuvoso e aumenta no período de estiagem. Jeamylle Nilin explica esse efeito. “Isso acontece porque o Poxim recebe muito esgoto, sem tratamento”, alerta a professora. “O esgoto, principalmente o doméstico, é um dos principais causadores da baixa qualidade do rio”, analisa.
Isso mostra porque os resultados das amostras coletadas no bairro Inácio Barbosa indicam maior contaminação: a região é a de maior densidade habitacional nas margens do Poxim. Nesse trecho, as águas do rio já vêm trazendo também a poluição recebida nos bairros Jabutiana e Santa Lúcia, área em processo avançado de expansão imobiliária. Ironicamente, a vegetação ciliar do Poxim vem dando lugar a condomínios com nomes ligados à natureza: Flores, Verde, Bosque, Serras, Fontes.
Além da poluição produzida pela urbanização em suas margens, os rios que cortam Aracaju recebem ainda as águas contaminadas de mais de 70 canais que fazem a macrodrenagem da cidade. Análises microbiológicas e físico-químicas mostram que o Poxim apresenta índices de nitrogênio amoniacal e amônia não ionizada acima do permitido pela resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), nas amostras das três coletas, em todos os meses - com exceção, apenas, dos meses de outubro de 2014 e abril de 2015, na ponte do bairro 13 de Julho, já próximo ao rio Sergipe e ao mar.
“Na verdade, os canais daqui são riachos que foram modificados e transformados para fazer a macrodrenagem”, alerta Jeamylle, “esse é o grande problema, porque o humano ocupou muito a região costeira e transformou rios e riachos em canais de esgoto”.
Segundo dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS) de 2014, apenas 36,5% dos domicílios de Aracaju tinham coleta e tratamento de esgoto. “Então esse é um ponto muito importante, que reforça a necessidade de implementação de políticas públicas para o saneamento básico: ainda temos um grande caminho a percorrer”, destaca Jeamylle. A professora ressalta as consequências da falta de cuidados com a hidrografia de Aracaju. “O esgoto, uma vez que vai pro rio, vai para o mar, e isso afeta tanto do ponto de vista ecológico, quanto turístico e social”, assinala.
Nesse aspecto, a estudante Meggie Nascimento salienta a relevância da premiação concedida à pesquisa pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. “Além da satisfação pela conquista, foi importante porque apresentamos esses resultados em um evento onde estavam presentes muitos gestores públicos”, analisa.
Pesquisa e premiação
O Laboratório de Estudos Toxicológicos foi instalado em 2013 e ficou sob responsabilidade da professora Jeamylle Nilin, que ingressara naquele ano no Departamento de Ecologia da UFS. A partir daí, a doutora em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará formou equipes de estudantes para pesquisar a ecotoxicologia em águas salinas e salobras. Anderson Santos e Meggie Nascimento faziam parte dessas pesquisas e as utilizaram nos seus trabalhos de conclusão de curso.
Enquanto Meggie focou seus estudos na linha voltada aos compostos químicos, Anderson trabalhou com as amostras ambientais, área que envolve a pesquisa com os misidáceos no rio Poxim. “No entanto”, detalha Meggie, “o trabalho no laboratório é coletivo, dessa forma todos contribuem com as pesquisas dos colegas”. A estudante apresentou os resultados no Enrehse porque, quando este foi realizado, Anderson já havia concluído a graduação, enquanto Meggie estava cursando o mestrado em Ecologia. “E também porque, como colaborei na pesquisa, conhecia os dados e os resultados”, destaca.
“O prêmio serviu também para dar visibilidade ao curso de Ecologia, que é relativamente novo”, acrescenta Anderson (o curso foi criado em 2010). “Demonstra também a preocupação em dar um retorno à sociedade, mostrando o impacto que o ser humano pode causar no seu próprio ecossistema: o Poxim, um rio urbano completamente poluído, sem saneamento”, pontua.
Jeamylle explica que a relação entre a população e o meio ambiente tem mudado com o tempo. “Por muito tempo se percebia que o pensamento que prevalecia era o de ‘poluir, porque a natureza vai diluir’”, resume. “Nas últimas décadas, entretanto, consideramos um novo paradigma, o do ‘bumerangue’, ou seja, a compreensão de que tudo o que fazemos contra o meio ambiente acaba voltando contra nós”, ilustra a docente.
Apesar de essa nova perspectiva estar mais difundida, Jeamylle analisa que a situação ainda se encontra distante do ideal. “As interferências no meio ambiente e seus impactos são enormes, enquanto eliminá-las completamente é muito difícil de acontecer”, reflete. A pesquisadora esclarece que o meio ambiente tem uma capacidade regenerativa, ou seja, até se recuperaria se a poluição cessasse. Como essa possibilidade é remota, o ideal é que haja uma convivência sustentável entre a cidade e o ambiente. “Precisamos auxiliar o rio a melhorar, a se regenerar, através de técnicas de limpeza, tratamento da água. E, claro, quanto menos interferência, melhor”, conclui.
Marcilio Costa
comunica@ufs.br
Atualizado em: Seg, 15 de maio de 2017, 18:31
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